Sofrimento, Suicídio e trabalho*
*Núcleo de Acolhimento e Diálogo/NADi APUBHUFMG+
Qualidade de vida e saúde estão intimamente atrelados à determinantes sociais que são as condições sob as quais as pessoas vivem e trabalham. Considerando a indissociabilidade entre as condições materiais e sociais e a saúde mental, é imprescindível debater e atuar sobre os aspectos de qualidade de vida e trabalho, especialmente no cenário atual do país, com o aprofundamento da crise econômica e social, da informalidade, do desemprego, da desesperança e desamparo da população. Em 2020, ano de pandemia de COVID-19, os afastamentos por transtornos mentais no Brasil aumentaram 30% em relação ao ano anterior[1]. Será este um resultado da pandemia ou da ausência de projeto social de um governo genocida?
Segundo a Organização Pan-americana da Saúde[2], todos os anos, morrem cerca de 800 mil pessoas tendo como causa o suicídio. Além desses, há muito mais casos não notificados de pessoas que tentam tirar a própria vida. Silenciamos estas ocorrências, quando, na verdade, precisamos falar disso. O sofrimento e desenvolvimento de transtornos mentais estão na origem das ideações suicidas: 90% dos casos notificados tem diagnóstico reconhecido de algum transtorno mental, especialmente depressão[3].
A Organização Mundial da Saúde[4] estabelece entre os fatores de risco para suicídio questões como abusos de natureza física, sexual ou psicológica, acontecimentos violentos, e aspectos sociais, como o estatuto socioeconômico e nível de educação baixos e situação de desemprego, entre outros, como a ocorrência de traumas familiares e infantis. Nas estatísticas mundiais, 79% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda. É preciso, então, coletivizar a compreensão deste fenômeno e trazer nossa atenção para a nossa realidade.
Nossas atividades profissionais e cotidianas são fonte de identidade e sentido para nossas vidas! Sofrer no e pelo trabalho impacta significativamente a saúde e a saúde mental, especialmente em anos tão conturbados de assédio por parte do governo Bolsonaro (desde o executivo ao Ministério da Educação, em especial), em cenário de crise sanitária e social, com distanciamento social, falta de vacinas e o próprio temor da contaminação pelo vírus.
Em um contexto pandêmico, com o necessário isolamento social das pessoas, para a categoria docente, a imposição do Ensino Remoto Emergencial acabou por afastar os colegas de trabalho, o que afeta os coletivos de trabalho alterando profundamente a prática e o cotidiano de ensino, pesquisa e extensão, já afetados pela precarização induzida pelo governo federal. A categoria que já vivenciava enorme sobrecarga de trabalho, um ambiente de trabalho altamente competitivo, passou a conviver também com a sobreposição de papeis sociais e invasão radical da vida privada, o que traz diversas formas de sofrimento, especialmente para as docentes. Tudo isso somado a uma rotina de pressões e cobranças contínuas por crescente produtividade e decrescente apoio institucional.
É preciso se atentar a essas questões que parecem ter se agravado com a pandemia, afinal, como indica a Fiocruz, até o momento, a imunização no Brasil atingiu 82% da população com a primeira dose e apenas 39% com o esquema vacinal completo, considerando as pessoas com mais de 18 anos. Há ainda as novas variantes (Delta e Mu) a serem consideradas no cenário pandêmico brasileiro, o que indica ser prematuro o retorno previsto na Resolução nº05/2021, que regulamenta o ensino híbrido emergencial na UFMG e aponta para a presencialidade progressiva do retorno às atividades acadêmicas, especialmente no ensino de graduação, e que não resolverá a complexidade da situação do distanciamento social a que fomos jogados pela ineficiência no combate a pandemia do governo Bolsonaro. Para a categoria docente, a imposição do Ensino Remoto Emergencial acabou por afastar os colegas de trabalho, o que afeta os coletivos de trabalho alterando profundamente a prática e o cotidiano de ensino, pesquisa e extensão, já afetados pela precarização induzida pelo governo federal. Essa realidade acabou trazendo, enorme sobrecarga de trabalho, sobreposição de papeis sociais e invasão radical da vida privada, o que traz diversas formas de sofrimento, especialmente para as docentes. Tudo isso somado a uma rotina de pressões e cobranças contínuas por crescente produtividade e decrescente apoio institucional.
Nesse sentido, o Núcleo de Acolhimento e Diálogo/NADi do APUBH alerta para o sofrimento mental da categoria docente e para os processos de sofrimento e“autoextermínio”, em todas as suas formas. O nosso sindicato, como sua equipe jurídica e o NADi podem contribuir muito com esse apoio , seja através do debate, ou pela escuta responsável e consequente. Contamos, para isso, com uma profissional de psicologia capaz de dialogar com a categoria docente de forma protetiva.
Mas o suicídio e o sofrimento ultrapassam a categoria docente e pode se configurar como uma ameaça nas relações afetivas e sociais que sustentamos. Sejamos solidários e efetivos, não apenas com o(a) colega que não esteja bem, mesmo que de forma virtual, mas também com as pessoas que nos cercam. Ofereça escuta sincera, paciente, sem julgamentos. Oriente a buscar ajuda especializada e, se possível, acompanhe, acolhendo. Em alguns casos procurar ajuda sozinho(a) é difícil, então, auxilie também nesse momento. Oriente a procurar nosso sindicato e/ou outros locais que possam ajudar na compreensão e acolhimento do sofrimento manifestado. Saiba que a universidade tem recursos importantes a serem acionados (DAST) e que nossa cidade conta com uma Rede de Atenção Psicossocial pública, os Centros de Atenção Psicossocial (CERSAM), que é capaz de acolher as pessoas em sofrimento e crises. O Centro de Valorização da Vida (CVV) é de fácil acesso pelo número 188. Cultivemos o cuidado e a atenção!
É impossível atuar na prevenção de adoecimentos mentais e promoção de saúde sem considerar os determinantes sociais que os influenciam: o avanço da precarização das condições vida e trabalho, o sucateamento das políticas públicas e do Sistema Único de Saúde. Fortaleça a luta coletiva em busca de condições melhores de trabalho e de vida para a categoria docente e toda a sociedade.
[1] https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_783190/lang–pt/index.htm
[2] https://www.paho.org/pt/topicos/suicidio
[3] http://www.saude.ba.gov.br/2020/09/10/oms-alerta-suicidio-e-a-3a-causa-de-morte-de-jovens-brasileiros-entre-15-e-29-anos/
[4] https://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.pdf