“Limite de juros no Brasil tem que virar lei”
Com a participação de dezenas de entidades da sociedade civil, Auditoria Cidadã da Dívida lança campanha para limitar os juros no país
Em live realizada nesta segunda-feira, 18 de julho, a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) lançou nacionalmente a Campanha “Limite de juros no Brasil tem que virar lei”. Participaram da live cerca de 60 autoridades, representantes de entidades, apoiadores, jornalistas, advogadas e membros do Núcleo da ACD. “Essa live tem o potencial de dar o pontapé inicial pela campanha pelo limite dos juros no Brasil. Aliás é mais um passo, porque nós já apresentamos a proposta legislativa no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e já temos até os relatores”, informou a coordenadora da ACD, Maria Lúcia Fatorelli. “Essa live hoje é para registrar publicamente para a sociedade que é possível colocar limite dos juros no Brasil. É possível. E nós estamos aqui para lutar por isso”, completou. Fatorelli ainda lembrou que mais de 80 países no mundo possuem leis para limite de juros e que o Brasil pode seguir o exemplo, mas que demandará uma grande luta.
A live de lançamento da Campanha “Limite de juros no Brasil tem que virar lei” está disponível no canal da ACD no Youtube: https://youtu.be/uFyRdrwUO2g
Apoio
Iniciando a live, foi apresentada uma mensagem do presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor de Azevedo Oliveira que falou sobre a adesão da entidade à iniciativa da ACD e ressaltou a urgente necessidade de estabelecermos um modelo de economia não excludente, mais fraterno e mais humano. “Um passo importante, aqui no Brasil, é nos dedicarmos ao grave problema das elevadas taxas de juros que impactam especialmente na vida dos mais pobres, no atual contexto, em que mais de 30 milhões de brasileiros padecem com a fome, e 70% da população está mergulhada em dívidas”, disse o arcebispo. E ainda apontou que “é inadmissível aceitar taxas de juros tão elevadas, desproporcionais ao que se verifica em outras partes do planeta”. Para Dom Walmor, “os juros no Brasil constituem verdadeira prisão inviabilizando o pagamento de dívidas e os investimentos essenciais para o desenvolvimento sustentável, geração de mais emprego e renda para todos. As elevadas taxas agravam ainda a dívida pública impondo restrições à destinação de recursos para campos estratégicos a exemplo da saúde e da educação”. A participação do arcebispo, ainda que por vídeo, foi comemorada por Fatorelli que explicou que o debate sobre o limite de juros começou na Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) da CNBB.
“Nós temos muita clareza de que não vamos conseguir paz sem justiça social. E para se ter justiça social, a gente precisa que tenha uma melhor distribuição de renda, melhor distribuição de riqueza na sociedade”, disse o professor Francisco Botelho, representante da coordenação colegiada da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) da CNBB. Reafirmando o apoio e o engajamento da comissão à iniciativa da Auditoria Cidadã, Botelho enfatizou a necessidade de parar a “sangria” da economia produtiva devido aos altos juros e que tem como consequência direta o empobrecimento da população.
Uma política de juros injusta, abusiva e ultrapassada
A professora da Faculdade de Direito da UFMG e presidenta do APUBH, Maria Rosaria Barbato, iniciou a sua participação lembrando que o atual governo está afundando o país em uma profunda crise econômica, com a inflação batendo recordes atrás de recordes. Apesar de ter sido eleito com a promessa de alavancar o crescimento econômico do país, mas sob a liderança do ministro Paulo Guedes, tem se dedicado a sucatear o Setor Público e a abrir espaço para as privatizações. E sem o prometido “desenvolvimento”.
E para piorar, ressaltou a professora, “o Brasil enfrenta uma política de juros injusta, abusiva e ultrapassada, que serve apenas para elevar os lucros de rentistas e bancários. E enquanto a elite lucra, a economia está amarrada e pequenas empresas quebram. Ao mesmo passo que a população se endivida, o desemprego aumenta e o abismo da desigualdade social está cada vez maior”.
Maria Rosaria pontou também que, nos últimos anos, as políticas de Estado destinadas à população estão sendo “sacrificadas em nome do mercado financeiro. A política de juros do Brasil precisa ser revista, e o avanço do ultra neoliberalismo precisa ser barrado”. E concluiu dizendo que o Estado deve servir à sua população, e não ao mercado financeiro.
Tramitação no Congresso
A proposta legislativa para limite de juros foi apresentada pela ACD na Câmara dos Deputados (confira a tramitação) sob a relatoria do deputado Pedro Uczai (PT-SC) e no Senado Federal (confira a tramitação) sob a relatoria da Senadora Zenaide Maia (PROS-RN), em junho de 2022. Em seu primeiro artigo, diz a proposta “Esta Lei Complementar estabelece, nos termos do art. 192 da Constituição, o limite legal das taxas de juros em contratos e operações financeiras, promove o incentivo ao crédito e altera a Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951. Visa a mobilização popular a fim de pressionar os parlamentares brasileiros a analisar e votar o projeto de lei”.
Neste sentido, o deputado Pedro Uczai (PT-SC), relator da proposta na Câmara dos Deputados explicou que está relatando “uma matéria que prevê o máximo de 12% de juros ao ano ou o dobro da taxa Selic, mas nunca superior a 12%, ou seja, no máximo, 1% ao mês”. De acordo com o parlamentar, a taxa atual da Selic está em 13,25% e com o acréscimo dos custos bancários o povo está transferindo renda e riqueza para banqueiros; e defendeu a redução das taxas de juros como a chave para o futuro do país.
Em texto enviado para a coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida, a relatora da proposta no Senado, senadora Zenaide Maia (PROS-RN) questionou a ausência de um limite de gastos com juros e fez uma referência implícita ao Teto dos Gastos (EC95): “Tudo nesse país tem limite, até para gastos com saúde e educação tem limite, mas para juros não tem limite algum, por que? Porque o Brasil é o paraíso dos banqueiros que ficam com quase 50% do orçamento federal, fazem uma verdadeira extorsão das famílias brasileiras e ainda ganham do Banco Central a remuneração da sua sobra de caixa, diariamente, coisa que nenhum outro país faz, porque isso quebra a economia do país”.
No decorrer da live, dezenas de participantes denunciaram os efeitos das altas taxas de juros para a economia brasileira e as graves consequências para os brasileiros e as brasileiras, inclusive, com a volta do país ao mapa de fome, alto desemprego, falta de moradia, alta nos preços dos alimentos e reduções nos investimentos em saúde, educação e políticas sociais. Além disso, foi intensamente cobrada a adesão dos parlamentares à campanha, bem como a mobilização da sociedade. Encerrando o trabalho, Maria Lúcia Fatorelli classificou o momento como histórico e ressaltou a necessidade urgente de mudança. “O Brasil está do lado do avesso. Nós temos que tirar o Brasil do avesso. Nós temos que garantir que as riquezas que existem aqui, as imensas riquezas, inclusive o dinheiro em caixa que existe chegue na vida de todas as pessoas”, concluiu.