"João dizia que não fazia um teatro político, mas que todo teatro pra ele é, em sua natureza, um ato político"
A cantora Titane esteve presente no tributo ao dramaturgo, diretor e escritor João das Neves, promovido pela APUBH com apoio da Diretoria de Ação Cultural – DAC/UFMG, no Auditório da reitoria da UFMG, na noite desta terça-feira (27/11). O Grupo dos Dez apresentou a peça “Madame Satã”, originalmente dirigida por João das Neves e Rodrigo Jerônimo, para um auditório vibrante e lotado.
Referência como intérprete da música popular brasileira, Titane foi esposa de Neves (falecido em 24 de agosto deste ano), acompanhando-o em sua obra como artista e ativista social. Nesta entrevista, concedida à APUBH, a cantora comenta o legado de João das Neves, a importância e atualidade de ‘Madame Satã’ e as perspectivas sociais e culturais para o país, diante da conjuntura política atual.
APUBH – Com a realização do espetáculo “Madame Satã”, homenageamos o dramaturgo João das Neves. Estiveram presentes pessoas que já conheciam a sua obra, mas também novas gerações. Na sua opinião, qual é a importância dele para a dramaturgia nacional?
Titane – A contribuição de João para a dramaturgia brasileira e latino-americana se deu de diversas formas. Vou salientar uma delas: Por se interessar pelas muitas “culturas brasileiras”, ele interagiu com muitas delas. Viveu e trabalhou na zona sul e no subúrbio cariocas, entre os Kaxinawá do Rio Jordão no Acre, dedicou-se ao Congado mineiro em Oliveira/MG, pra citar apenas algumas. Toda esta sua experiência de vida foi decantada interiormente e devolvida ao mundo em forma de arte. Da mesma maneira suas inquietações diante das causas das minorias renderam textos teatrais e encenações poderosas. João recriou maneiras de fazer teatro injetando na sua arte as lógicas, os pensamentos, os corpos e os movimentos cênicos dos muitos povos e das minorias brasileiras.
APUBH – A peça “Madame Satã”, como outras obras escritas ou dirigidas por João das Neves, coloca temas sociais em debate. E esses temas se mostram atuais, pois vivemos uma conjuntura sociopolítica delicada, com a ascensão do autoritarismo e da segregação em todos os campos. Em “Madame Satã”, está expressa a discriminação por racismo, lgbtqfobia e misoginia. Qual é a sua perspectiva com relação a esses temas?
Titane – A importância da montagem Madame Satã só cresce. Ela torna-se cada vez mais necessária. Nela convergem nossos anseios e convicções quanto a necessidade de impor os direitos de negros, mulheres , gays, transexuais. O direito de ser o que se é. Mais que isso, demonstra que entre nós, existe o poder da denúncia, a coragem da luta, a determinação de resistir.
APUBH – O que podemos aprender com João das Neves e o seu legado como artista comprometido com as lutas sociais?
Titane – João era um grande artista. E grandes artistas deixam muitos legados, difíceis de mensurar. Alguns me ocorrem imediatamente: a arte como espaço de escuta e observação, a presença do ator como centro da arte cênica, a expressão artística como resultado da lealdade que o artista tem a si mesmo, a cultura popular como grande guardiã de nossas riquezas estéticas e humanitárias, obtentor como espaço de discussão e reflexão sobre questões sociais e humanas essenciais… e por aí vai. João dizia que não fazia um teatro político, mas que todo teatro pra ele é, em sua natureza, um ato político.
APUBH – A peça foi realizada pela APUBH em parceria com a UFMG. Na sua opinião, qual a importância da realização deste evento na Universidade?
Titane – Este evento une os mundos de dentro e de fora da academia. Une também ciência e arte, duas dimensões do saber que investigam a vida, a sociedade, o homem. Agrega professores, artistas e instituições da educação em torno da defesa de espaços livres de expressão, discussão sobre as grandes questões nacionais. Em defesa da educação que deve ser pública, laica, inclusiva. Em defesa do Estado de direito, da democracia, que é agora nossa grande causa comum.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a UFMG, ao DAC, a Biblioteca Central, ao pessoal da Arquivologia todo o cuidado e atenção que tem dedicado ao ACERVO que João doou à Universidade.