ENTREVISTA | Rosy Isaias: “considero a condição de mulher pesquisadora desafiadora, mas também muito gratificante”
No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, o APUBH UFMG+ conversou com a professora do ICB/UFMG sobre experiências e perspectivas como mulher cientista no complexo cenário atual.
No ano de 2015, a ONU estabeleceu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. A criação da data tinha como propostadar visibilidade às contribuições de mulheres cientistas para as áreas de CT&I. Além disso, busca-se incentivar a sociedade a debater sobre como as questões sociais e de gênero afetam o ingresso e permanência de mulheres no setor.
Em 2021, a data tem como tema “Mulheres cientistas na linha da frente da luta contra a covid-19”.No Brasil, além do desafio do combate à pandemia, a comunidade científica ainda lida com os cortes nos orçamentos das universidades públicas, principais produtoras de conhecimento científico no país.Além disso, o crescimento do negacionismo e a perseguição à categoria do serviço público têm afetado, não apenas o trabalho de cientistas, como o próprio combate à Covid-19.
Para refletir sobre esse complexo cenário atual, o APUBH UFMG+ conversou com a pesquisadora e professora Rosy Mary dos Santos Isaias, do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFMG).Rosy Isaiaspossui doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) pela USP e ocupa o cargo deProfessora Titular da UFMG, tendo coordenado o Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da UFMG, de 2015 a 2019.
Confira, a seguir, a entrevista na íntegra:
APUBH – Uma pesquisa publicada pela Unesco em 2019 revelou que, na época, havia apenas 28% de pesquisadoras e cientistas mulheres no mundo. Quais razões apontam para a baixa representatividade de mulheres nas Ciências?
Rosy Isaias – Os ambientes acadêmicos são historicamente ocupados por homens, cabendo às mulheres papéis secundários ou historicamente negligenciados na produção do conhecimento e na investigação científica. Exemplos não faltam de descobertas atribuídas a homens, as quais, na verdade, foram realizadas por mulheres. Nos tempos atuais, este cenário vem mudando, o que penso ser devido às lutas diárias e constantes de mulheres nas diferentes áreas acadêmicas.
É possível definir quais fatores interferem no ingresso e permanência de mulheres e meninas no setor de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)?
Não tenho informação técnica para dizer com certeza, mas penso que os fatores perpassam a falta de estrutura financeira ou emocional, preconceito no trato com mulheres nos ambientes científicos. Somos tidas como mais frágeis e emotivas do que os homens, portanto, com menor capacidade de liderança, o que está longe de ser verdade. Ainda lidamos com a gravidez e a maternidade, também vistas, por vezes, com preconceito. Devemos considerar, ainda, a baixa ocupação de mulheres em cargos de tomada de decisão.
Em sua opinião, o que é ser mulher pesquisadora em uma instituição (a Universidade) que, historicamente, foi estruturada e funciona com uma concepção masculina no trato laboral da produção científica?
Considero a condição de mulher pesquisadora desafiadora, mas também muito gratificante. Vejo as mulheres pesquisadoras na UFMG em posição de destaque nos cenários estadual, nacional e internacional, o que me enche de orgulho de ser UFMG. Dia desses estava a prosear com amigas também cientistas sobre como a concepção masculina está estruturalmente posta: sem sabermos o gênero dos autores de um determinado artigo, muitas vezes nem checamos, já nos referimos no masculino. Será que é só culpa da norma culta da língua portuguesa? Eu, que tenho um sobrenome masculino, “Isaias”, já ouvi várias vezes, de colegas cientistas, homens estrangeiros, que ao acessarem meus artigos, lerem-nos e citarem-nos, imaginavam tratar-se de um homem. E eis que tiveram uma surpresa ao ver que “Isaias, RMS” é uma mulher.
“Acredito que, quanto mais exemplos tivermos de mulheres dos diferentes grupos étnico-raciais ocupando espaços acadêmicos e científicos, maiores as probabilidades de que as meninas sonhem com uma carreira em ciência” | Rosy Isaias, pesquisadora e professora do ICB/UFMG
A seu ver, a UFMG é uma universidade que promove o aumento do número de pesquisadoras e cientistas mulheres?
O último dado ao qual tive acesso mostrou, no quadro docente, cerca de 10% a mais de homens do que de mulheres. Desconheço políticas que promovam o aumento do número de mulheres na UFMG ou em qualquer outra universidade federal do país. Portanto, prefiro não opinar.
A seu ver, como as questões étnico-raciais interferem no ingresso e permanência de mulheres e meninas nas Ciências?
Acredito que, quanto mais exemplos tivermos de mulheres dos diferentes grupos étnico-raciais ocupando espaços acadêmicos e científicos, maiores as probabilidades de que as meninas sonhem com uma carreira em ciência. Sem exemplos, sem apoio e sem referência, o caminho será sempre mais árido.
Como a pandemia tem afetado o trabalho das mulheres cientistas?
Via de regra, as mulheres enfrentam uma dupla jornada, com tarefas profissionais somadas às tarefas domésticas. No cenário de pandemia, os ambientes profissionais e domésticos se mesclaram e as demandas aumentaram em todos os sentidos. Os cuidados com pais e filhos, o isolamento social necessário, e os laboratórios fechados ou com acesso restrito terão reflexos marcantes nos próximos anos, acredito eu, com uma queda na produção. Além disso, temos que redobrar nossa atenção para com a saúde mental, um desafio diário neste momento, tanto com a família quanto com a equipe de trabalho, alunos e funcionários sob nossa orientação ou administração.
“Temos pessoas no Brasil, homens e mulheres, extremamente capazes e talentosos, eu diria brilhantes mesmo, o que nos falta muitas vezes é investimento financeiro”. | Rosy Isaias, pesquisadora e professora do ICB/UFMG
A maior parte da produção científica do Brasil é desenvolvida em universidades públicas. Na contramão dessa estatística, o Governo Federal vem reduzindo sistematicamente o investimento público nessas instituições. A seu ver, como os impactos dos cortes orçamentários na produção de conhecimento científico no país? Esses cortes poderão ter reflexos no ingresso nas ciências de novas gerações de mulheres?
Fazer ciência requer dois tipos de investimento, o pessoal e o financeiro. Temos pessoas no Brasil, homens e mulheres, extremamente capazes e talentosos, eu diria brilhantes mesmo, o que nos falta muitas vezes é investimento financeiro. Logo, o reflexo tende a ser diretamente proporcional: com menos investimento, menos pessoas poderão receber a formação necessária e investir seu tempo e seus sonhos para tornarem-se cientistas.
Além dos cortes orçamentários no setor, o Governo Federal também coloca em descrédito as instituições públicas, bem como as servidoras e servidores responsáveis pelo trabalho desenvolvido nesses estabelecimentos. A seu ver, como a UFMG, como instituição pública, tem sido impactada diretamente por essa situação, bem como as suas trabalhadoras e trabalhadores?
Neste momento, sinto uma mescla desanimadora de falta de recursos, de ataques severos aos profissionais, não somente da UFMG, mas das instituições ligadas à educação, meio ambiente e até mesmo saúde, apesar de estes serem fundamentais neste momento de pandemia. O impacto é grande. A pandemia travou as interações, mas os sonhos permanecerão e rebrotarão em breve, espero.
Em sua opinião, qual o papel das mulheres cientistas na defesa dos investimentos em Ciência e na valorização das instituições públicas?
Como mulher e cientista, espero ver cada vez mais mulheres ocupando postos de decisão e lutando para que sejamos vistas com a seriedade e o respeito que merecemos. Cada uma de nós atua no seu microcosmo, lidando no dia-a-dia com desafios, mas os efeitos são multiplicados nas mentes de cada nova mulher formada nas nossas universidades, mulheres estas que se tornam trabalhadoras e que acreditam num mundo melhor para as novas gerações. Mais mulheres, mais cientistas, mais saberes sendo difundidos, esta me parece ser uma das receitas para um mundo melhor.
“Neste momento, sinto uma mescla desanimadora de falta de recursos, de ataques severos aos profissionais não somente da UFMG, mas das instituições ligadas à educação, meio ambiente e até mesmo saúde, apesar de estes serem fundamentais neste momento de pandemia” | Rosy Isaias, pesquisadora e professora do ICB/UFMG