Desdobramentos da tentativa bolsonarista de golpe de Estado
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula publicou portaria, na última terça-feira (17/01), em que nomeia os 14 integrantes da Comissão de Anistia do Governo Federal. Com a nova composição, que retirou os militares indicados pelo governo Bolsonaro, pretende-se “reverter a interferência política propagada desde 2019 no sentido de paralisar os trabalhos do grupo por meio da omissão do Estado brasileiro”. Para se ter uma noção dessa situação, 95% dos casos de reparação analisados pela Comissão de Anistia, entre 2019 a 2022, foram indeferidos, de acordo com dados divulgados pelo atual governo.
O nosso país ainda não passou a limpo o seu passado autoritário. E os reflexos dessa época ainda estão presentes, como temos acompanhado na movimentação contra a vontade soberana do povo, que conta com a participação de agentes do Estado, empresários e pessoas civis que se identificam com este discurso extremista. E conforme avançam as investigações sobre os atos terroristas contra os três Poderes da República, perpetrados no dia 8 de janeiro, mais ficam escancarados os planos do bolsonarismo, a face da extrema-direita brasileira, para um golpe de Estado no país.
Recentemente, veio à tona a existência de uma minuta golpista, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, durante a operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal. Na avaliação de especialistas, amplamente ouvidos pela imprensa nacional, o documento representa uma afronta à Constituição Federal. Afinal, trata-se de uma minuta de um decreto para declarar estado de defesa nas sedes do TSE, possibilitando a anulação da eleição presidencial do ano passado. Em outras palavras, uma tentativa de golpe contra o resultado das eleições.
O documento foi incluído no inquérito que apura os ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro ao processo eleitoral, durante reunião com embaixadores de outros países no ano passado. A inclusão do documento na investigação ocorre por decisão do ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a pedido do PDT. Por determinação do ministro, Bolsonaro recebeu três dias para se manifestar sobre a minuta.
Torres teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de conivência com os atos terroristas. Em sessão extraordinária do plenário virtual, em 11 de janeiro, o STF formou maioria para manter a prisão do ex-ministro da Justiça. O fato da minuta ter sido encontrada na residência de Torres aponta para uma participação nos planos golpistas, para além da acusação de leniência. E não por caso, ele possui ligação com governo Bolsonaro, tendo o ocupado o cargo ministro da Justiça de sua gestão. E na última quarta-feira (18/01), ele optou por ficar em silêncio, durante o depoimento à Polícia Federal.
As investigações demonstram como a tentativa de golpe contou com apoio de dentro do Estado, por parte de membros do governo do DF alinhados com o bolsonarismo. Além de Torres, o STF também determinou a prisão do coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal. No entendimento do ministro Alexandre de Moraes, o então responsável pela PMDF teria se omitido da tarefa de contenção dos atos terroristas. O coronel foi preso no dia 10 de janeiro, mas desde o dia anterior já havia sido exonerado do cargo, por decisão de Ricardo Cappelli, interventor federal na segurança pública do DF. E o governador do distrito, Ibaneis Rocha, também teria agido com conivência em realização dos atos terroristas. Com isso, ele foi afastado por 90 dias do cargo, por decisão do STF, além de ter que responder a pedidos de impeachment.
Já em relação aos suspeitos de terem organizado e financiado os atos terroristas, a Polícia Federal cumpriu mandatos de busca e apreensão e de prisão temporária, na manhã de segunda-feira (16/01). Nomeada de operação Ulysses, a ação da PF levou à prisão de duas pessoas e uma terceira pessoa encontra-se foragida. No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu o pedido de condenação e de prisão preventiva por tempo indeterminado de 39 pessoas, acusadas de integrar o ato golpista contra o Congresso Nacional. O pedido é assinado por Carlos Frederico Santos, subprocurador-geral da República, que está coordenando Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os suspeitos devem responder pelos seguintes crimes: associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. Além das prisões, também foi solicitado que R$ 40 milhões sejam bloqueados, para custear a reparação do que foi danificado.
Embora o processo de corrosão da Democracia brasileira não tenha começado no governo Bolsonaro, o ex-presidente, bem como os membros e aliados de sua gestão, demonstraram enorme habilidade em aprofundar os danos às instituições democráticas. O discurso de ódio e autoritarismo, aliado a uma profunda política econômica neoliberal, colocam em risco as conquistas da classe trabalhadora desse país, no processo de redemocratização do Brasil após a ditadura militar.
A mais recente tentativa de golpe de Estado foi contida, porém ainda não foi plenamente eliminada. O povo brasileiro não pode permitir a impunidade para quem atenta contra o Estado Democrático de Direito. Sem anistia!
APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2022/2024