Carta à Chapa UFMG Plural
À Professora Sandra Regina de Almeida Goulart e ao Professor Alessandro Fernandes Moreira,
Nós, da gestão Travessias na Luta (2020-2022), que atualmente está na direção do APUBHUFMG+, Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco, saudamos a iniciativa da chapa UFMG Plural em concorrer para a eleição aos cargos de Reitor e Vice-Reitor, que ocorrerá no próximo dia 11 de novembro, em tempos de Estado de exceção promovido pela necropolítica ultra neoliberal do governo Bolsonaro.
Como é de notório conhecimento, as Instituições Federais de Ensino Superior vivem dias dramáticos. Desde a incidência da crise econômica e política que abala o mundo capitalista a partir 2008 (e que se aprofundou ao decorrer da década de 2010 e, no Brasil, culminou no golpe jurídico parlamentar à ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016), há uma sucessão de medidas autoritárias no campo educacional, que visa sua precarização para privilegiar a lógica de mercado, apontando para sua consequente privatização. Este cenário se aprofundou no governo Bolsonaro, desde a primeira fase da gestão do Ministério da Educação (MEC), sob a conduta do então Ministro Ricardo Vélez, passando pela gestão de Abraham Weintraub, até a gestão do atual Ministro Milton Ribeiro. Neste sentido, salientamos a necessidade do compromisso do novo reitorado com as pautas centrais para a categoria docente da UFMG, que nosso sindicato representa.
Não entendemos como suficientemente debatidas com a categoria as questões inerentes à substituição da Resolução 10/95, de 30 de novembro de 1995. Conforme carta enviada à reitoria no dia 24 de junho de 2021, manifestamos nossa preocupação quanto ao teor da proposta de alteração da referida Resolução. A Resolução 10, de 30 de novembro de 1995, estabelece os critérios para a prestação de serviços na nossa Instituição, enquanto a minuta proposta regulamenta a realização, no âmbito da UFMG, de Atividades Acadêmicas financiadas com recursos externos do setor público. De maneira mais específica, a Resolução 10/95, que nos rege atualmente, define normas para a prestação de serviços por servidores docentes e técnicos administrativos. Trata-se, assim, de regulamentar a prestação de serviços realizada pelo servidor público. Em outras palavras, respeitadas as determinações da Resolução, é possível a um docente ou técnico-administrativo prestar serviço a uma instituição privada. O servidor público, nessa situação, cumpre as atribuições de seu cargo e função de emprego público, não fica impedido, porém, de prestar um serviço a uma entidade privada. A minuta de alteração da Resolução 10/95, por sua vez, tem outra perspectiva e descaracteriza a natureza do serviço público e da universidade pública, ao colocar em evidência que todas as atividades acadêmicas – Ensino, Pesquisa, Extensão e Desenvolvimento Institucional, incluídas as atividades Artísticas, Culturais, Científicas, Tecnológicas e de Inovação – poderão ser financiadas por recursos externos do setor público.
Consideramos que a proposta que altera a resolução 10/95 de 30 de novembro de 1995, traz prejuízos grandes para a autonomia e a independência crítica da nossa Universidade, ao permitir a entrada da iniciativa privada em âmbitos que devem ser públicos para que o retorno do ensino, pesquisa e extensão não incorra no risco de ser uma apropriação individual e/ou político/partidária, e sim do conjunto da sociedade. Além disso, considerando o momento atual, a luta central da universidade pública é para frear os cortes e ter um orçamento condizente com as suas funções e as orientações da Constituição de 1988. Por isso, salientamos a necessidade do compromisso do novo reitorado de se aprofundar as discussões sobre esta temática junto à comunidade acadêmica antes de qualquer apreciação do referido documento pelo Conselho Universitário, considerando as necessidades imperativas da questão dos limites contratuais que se tornam ainda mais urgentes diante das incertezas que estão postas às Universidades Públicas no governo Bolsonaro.
Ratificar a tese de que o novo texto para a resolução 10/95 vem atender a lei 13.243/16 (Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação) é um equívoco, pois em sua origem, essa lei surge sem um diálogo democrático com as sociedades científicas e organizações docentes e de pesquisadores, sendo apenas o consenso entre alguns representantes da comunidade acadêmica e do meio político, em atendimento aos interesses do setor privado. O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação colabora para ampliar o ambiente de excepcionalidade dentro das Universidades Públicas brasileiras, e dessa maneira trata-se de um regramento perverso, pois estimula docentes e dirigentes de ICT’s a buscarem remunerações adicionais, sem abrir mão de sua dedicação exclusiva. Ademais permite que toda a infraestrutura instalada nas instituições públicas seja apropriada por empresas privadas, assim como o produto do trabalho de servidores e pesquisadores. Nesse sentido, reiteramos a necessidade de discutir amplamente com a comunidade acadêmica a atual versão do texto, tendo em vista a importância de fortalecer o aspecto público, gratuito e de qualidade social da universidade e os riscos que se fazem presentes no novo modelo de desenvolvimento científico implantado pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Manifestamos também a nossa preocupação com a portaria 983/2020 do MEC, publicada em 23/11/2020, que instituiu para os professores da rede federal de ensino da carreira EBTT (Ensino Básico Técnico e Tecnológico) o aumento de carga horária de ensino mínima de 10 para 14 horas-relógio semanais (regime integral e DE) e de 8 para 10 horas-relógio semanais (regime parcial). Essa medida pressupõe uma desvalorização das atividades de pesquisa, extensão e administração aos integrantes dos cargos EBTT. A grande maioria dos professores da carreira EBTT da UFMG são doutores, atuam em pós-graduações, em grupos de pesquisa, na formação de professores/licenciaturas e em projetos de extensão. Há, inclusive, resolução da UFMG que prevê para os seus docentes, indistintamente, a fixação de 8 a 12 horas-aulas semanais. Essa portaria, portanto, fere claramente a autonomia universitária. Além disso, há o aumento da hora aula de 50 para 60 minutos. É preciso que o novo reitorado da UFMG defenda categoricamente a autonomia da nossa universidade quanto às determinações impostas por esta portaria.
Outra medida mandatória da portaria referida anteriormente é a instituição de relógio de ponto nas unidades de professores EBTT. Como pode o(a) docente bater ponto sendo dedicação exclusiva? Como instituir o relógio de ponto para os docentes EBTT se o seu regramento na UFMG é o mesmo que recobre toda carreira docente? Além disso, como mensurar em hora-relógio as atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas em outros espaços dentro e fora da Universidade? Há, claramente, nesta orientação da portaria uma situação paradoxal de medida jurídica, em relação a qual a próxima gestão da reitoria deve se posicionar e dirimir a questão.
Por fim, há nesta portaria uma normalização do trabalho remoto para os docentes no âmbito da rede federal. No caso do ensino à distância, a portaria inclui como atividade docente a “MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA” como elemento fundamental da nova regulamentação da carreira EBTT. Seremos professores ou mediadores entre alunos e plataformas virtuais? As mudanças nos encargos EBTT impactam toda a Universidade e certamente todo o conjunto da carreira docente nas IFES, com a normatização permanente do ensino remoto que pairam sobre todos os professores e professoras da UFMG. Por isso, ratificamos a necessidade de que o novo reitorado trate desta questão com a urgência merecida.
Consideramos ainda importante que o novo reitorado assuma um compromisso com a construção coletiva de uma universidade cada vez mais forte e reconhecida. Para isso, é imprescindível que a reitoria estimule, em sua amplitude de atuação, a visão positiva sobre as ações e fazeres docentes, bem como a busca por qualificações, que são comuns ao longo de sua carreira, como tentativa em contribuir para o fortalecimento das unidades, dos cursos de graduação e programas de pós-graduação. Esta perspectiva de encarar a atuação docente é a correta, se contrapondo a falaciosa leitura que o atual governo faz do servidor público como de um aproveitador cheio de privilégios, apenas em busca de suas próprias vantagens pessoais. Portanto, pela experiência vivenciada por esta gestão, entendemos ser importante a ampla discussão e a divulgação das experiências e práticas positivas realizadas autonomamente pelas diferentes unidades da universidade para aprimorar as regras existentes. Assim, garante-se que professores da mesma instituição não sejam submetidos a tratamento diferente e em alguns casos mais onerosos, facilitando assim a manutenção da serenidade das relações entre os docentes, bem como da própria saúde mental dos professores.
Este foi um dos problemas com os quais o sindicato se deparou (participação de docentes em programas de pós-graduação em sentido estrito (mestrado ou doutorado) e, especialmente, de pós-doutorados). O mesmo vale para a definição de critérios de progressão e promoção, uma vez que a ausência de discussões coletivas sobre estes critérios impede contemplar nas avaliações as mais variadas situações, não previsíveis por quem não as tenha vivenciado.
Outro problema que percebemos em nossa gestão sindical é relativo ao fato de que, por muitas vezes, devido às reduções orçamentárias, é estimulada a contratação de professores voluntários, que é uma forma de trabalho extremamente precarizado e que fragiliza a formação dos estudantes. Ademais, o regime de trabalho voluntário não deve substituir as obrigações do Estado, ou seja, não deve se sobrepor às funções dos servidores de carreira, sob a pena do descumprimento das normas e princípios que regem a Administração Pública.
Em virtude de pandemia de coronavírus, assistimos, nos últimos anos, uma mudança significativa em nosso trabalho. O teletrabalho, que era uma exceção, imperativamente, e sem discussões coletivas com a categoria, se tornou regra. Assim, foi implantado o Ensino Remoto Emergencial e, agora, estamos trabalhando na chave do Ensino Híbrido Emergencial. Acompanhamos estas mudanças como necessárias nesta conjuntura específica de pandemia, porém como motivo de grande preocupação, uma vez que a Portaria nº 2.117, de 6 de novembro de 2019, assinada por Abraham Weintraub, dispõe sobre a possibilidade de aumento significativo de oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância – EaD, em cursos de graduação presenciais ofertados por Instituições de Educação Superior – IES, pertencentes ao Sistema Federal de Ensino.
Em seu segundo artigo, esta Portaria estipula que as IES poderão introduzir a oferta de carga horária na modalidade de EaD na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais, até o limite de 40% da carga horária total do curso, dobrando a possibilidade anterior, que era de 20%. Inclusive, em seu artigo 9º, a portaria estipula que após a criação das funcionalidades que permitem esta mudança no Sistema e-MEC, os processos de cursos presenciais em que houver previsão de introdução de carga horária à distância, protocolados anteriormente à publicação desta Portaria, terão tramitação prioritária.
Como se vê, embora não tivesse o poder de prever a pandemia, Abraham Weintraub já havia criado formas legais de fazer com que fosse permitido a EADização dos cursos de graduação presenciais oferecidos pelas IFES. Conforme sofremos na pele nestes últimos anos de pandemia, o teletrabalho representou para a maior parte da comunidade docente, uma completa mudança em sua dinâmica de trabalho, inserido em uma lógica de extrema precarização e potencialização do adoecimento da comunidade acadêmica em favor do paradigma da catástrofe social. Entendemos que este é um projeto que artificializa a vida comunal dentro da Universidade Pública e estimula a ascensão das práticas neoliberais e suas métricas e metas para formação tecnicista de nossos estudantes, minimizando as relações sociais e a corporeidade, maiores grandezas da Universidade, além de cercear os espaços de livre discussão e formação de pensamento crítico. Portanto, salientamos e defendemos que o novo reitorado deva tratar o Emergencial do Ensino Remoto e do Ensino Híbrido apenas como um adjetivo figurativo para que, de fato, estas formas de trabalho sejam emergenciais, sendo extintas quando a comunidade científica e acadêmica, respeitando todo o processo de análise sobre a conjuntura epidemiológica e política da pandemia que estamos vivendo, nos implicar sobre a possibilidade do retorno das atividades presenciais.
Como consequência das mudanças na forma de ser professor neste momento de pandemia, os docentes tem sofrido com a sobrecarga de trabalho, uma vez que o mundo virtual ocupa espaços e tempos de vida, e que exige competências novas pelas quais os docentes não foram concursados. Os professores, além de fazer seu serviço habitual, tiveram que se desdobrar para adequar o fazer docente com competências técnicas que não lhes são necessárias no trabalho presencial.
Aliás, cada vez mais, os docentes são incumbidos de tarefas técnicas que retiram o professor de suas funções acadêmicas, prática frequente que poderá levar a diminuição de contratação de técnicos administrativos. Estamos aludindo, neste momento, inclusive, a uma repetição de tarefas para responder às mesmas demandas (INA, REDOC, Currículo Lattes, etc). Este cenário de sobrecarga de trabalho, também é responsável direto por um salto quantitativo nos quadros de adoecimento docente. Esperamos que a próxima gestão da universidade possa trabalhar para melhorar a qualidade do trabalho docente, através da redução das tarefas técnicas destinadas aos professores e da eliminação de sua repetição.
Destacamos ainda a importância da comunidade acadêmica ter participação direta nas discussões acerca do calendário acadêmico, garantindo-se o interstício adequado para o gozo efetivo de férias, que tem sido comprometido no sistema ERE e EHE, tendo o professor que conciliar as férias com o período letivo. Deve ser função do reitorado, a partir do debate dos diferentes setores da universidade, alcançar consensos que sejam positivos para a classe trabalhadora e estudantil da universidade.
Por fim, mas não menos importante, salientamos que para o APUBHUFMG+, é extremamente relevante que o novo reitorado, dentro dos seus limites institucionais, se engaje fortemente na defesa das categorias dos servidores que prestam serviço e dos estudantes da universidade e na própria sobrevivência da UFMG. Assim, consideramos importante o posicionamento da reitoria pela refutação da integralidade do texto da PEC32, a Reforma Administrativa, que reduz nossos direitos, nossos salários e fere de morte a carreira dos servidores públicos e faz parte da lógica de precarização do serviço público, coadunando com os interesses empresariais que pairam sobre a educação e a ciência no Estado neoliberal brasileiro. Além disso, é de elevada importância que o reitorado se posicione ativamente contra os criminosos desinvestimentos que vem sendo sequencialmente aplicados nas Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil, que possuem a mesma lógica privatista.
Pedimos que a nova reitoria leve em consideração as demandas postas nesta carta, corrigindo as situações que afligem os docentes da universidade. Desejamos que o processo eleitoral para o reitorado da UFMG no interstício 2022-2026 se desenrole de maneira exitosa, com ampla participação da comunidade acadêmica como forma de legitimação do processo, e que o presidente da República respeite a vontade da comunidade da UFMG e a autonomia de nossa Universidade.
APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2020/2022