Acontece no APUBH

Análise de conjuntura proposta pela Diretoria do APUBH à Assembleia de 16 de março

O mundo passa por uma crise sem precedentes. Se não bastasse a crise econômica estrutural que se arrasta desde 2008, vivemos também sob uma pandemia que se espalha por todos os países do globo. Ela se soma a um gritante número de desemprego em escala mundial e à venda de falsos sonhos de enriquecimento individual, que implicam a precarização do mundo do trabalho, explicitado nos absurdos números de trabalhadores informais. Mais de 120 milhões de pessoas foram infectadas por Covid-19. Mais de 2,6 milhões de pessoas morreram. Em países cujos governos trataram a doença com negacionismo, não se embasando na ciência para enfrentar esta calamidade sanitária, os efeitos foram ainda piores. O caso dos Estados Unidos, gerido pelo negacionista Donald Trump até janeiro, é extremamente significativo nesse sentido: a maior potência política e econômica do mundo Ocidental é de onde vêm os piores números de infecções e mortes. Foram quase 30 milhões de infectados e mais de 530 mil mortos. O negacionismo cobrou caro ao ex-presidente estadunidense, o 4º presidente da história dos Estados Unidos que não conseguiu a reeleição.

O Brasil também possui o seu negacionista como presidente, Jair Bolsonaro, que, aliás, foi um títere de Donald Trump nos dois primeiros anos de sua gestão. Bolsonaro, por inúmeras vezes, afirmou que o Covid-19 era apenas uma gripezinha, que o Brasil não podia parar. Referindo-se a si mesmo, ele declarou que não iria sofrer os efeitos da pandemia pelo seu “histórico de atleta”. Ele tratou com desdém o uso dos equipamentos de proteção individual. Não se pronunciou com responsabilidade durante todo este tempo em que o país vai batendo, diariamente, recordes em números de mortos pela doença. Negou a eficácia da vacina como combate à doença e indicou medicações para um tratamento precoce que não têm nenhum embasamento científico. O resultado é que o Brasil é hoje o segundo país em número de mortos e o terceiro em número de infectados. Como resultado da falta de ação do Governo Federal, faltam insumos, vacinas, auxílio emergencial, emprego e esbanjam-se negacionismo, ataques aos direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, campanhas de privatizações baseadas em falsos pretextos e informalidade no emprego para os brasileiros.

Para manter sua agenda, Bolsonaro fez o que criticou durante toda sua campanha. Utilizando-se de compra de parlamentares, conseguiu que, para o Congresso e Senado, fossem eleitos presidentes alinhados politicamente às suas ações de desmonte do Estado. Os efeitos dessas eleições são imediatos, com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco prometendo articulações e celeridade para aprovar, o mais rapidamente possível, a Reforma Administrativa, no primeiro semestre e a Reforma Tributária, no segundo semestre.

Nosso problema imediato, a Reforma Administrativa, PEC 32/2020, estabelece que, para novos contratados, estará colocado o fim da estabilidade em grande parte das carreiras públicas. Serão facilitadas as demissões, a criação de mais vagas por tempo determinado; a efetivação no cargo ocorrerá apenas a partir de avaliações de desempenho e de aptidão, após período de testes. Ocorrerá também o fim de inúmeros direitos adquiridos pela luta dos servidores ao longo da história. Além da inconstitucionalidade de se retirar a estabilidade dos servidores públicos, há um dano eminentemente político ao serviço público brasileiro. É a estabilidade que garante que funcionários públicos possam agir de forma que possa, eventualmente, desagradar aos políticos de ocasião. Já a falta de estabilidade impede o desenvolvimento de trabalhos em longo prazo, benéficos à população. Outro importante ponto da PEC 32 é o excesso de autonomia dado ao chefe do Poder Executivo da União, dos estados e dos municípios. De acordo com o texto da proposta, o poder executivo, sem discussão com o legislativo, poderá extinguir ministérios, órgãos e empresas públicas. Trata-se de um poder quase absolutista concedido aos membros do poder executivo. Esta Reforma não é de interesse da maior parte da população brasileira, que depende dos serviços públicos para ter acesso a um mínimo de bem-estar social. Serve apenas a interesses privatistas, que querem colocar órgãos e serviços, que deveriam ser voltados ao atendimento à população, para servir aos bolsos de alguns grupos que lucrarão ao expandir seus negócios a áreas que anteriormente eram públicas.

Outro ataque, já aprovado pelos órgãos legislativos e promulgado na segunda-feira,15 de março, é a PEC 186 ou PEC Emergencial. Ela foi aprovada como condicionante para que o Governo Federal volte a conceder o básico, que é o auxílio emergencial durante a pandemia. Em primeiro lugar, neste momento em que a pandemia está em seu auge, trata-se de um auxílio muito menor do que o concedido no ano passado. O programa tem o limite de R$ 44 bilhões e, em 2020, esse valor foi de R$ 292 bilhões. As parcelas do auxílio variarão entre R$ 175,00 e R$ 300,00, e, em 2020, este valor era de R$ 600,00. Trata-se, portanto, de um auxílio insuficiente. E para aprovar este programa diminuto, várias medidas de austeridade foram tomadas, principalmente através de ataques aos salários e à carreira dos servidores públicos, o que fez com que essa PEC, entre a oposição, ficasse nomeada como a PEC da chantagem. Entre seus vários outros ataques, destacam-se a proibição de concursos públicos, o congelamento dos salários até 2036, bem como um confisco de progressões e promoções até essa data, além do corte de até R$ 200 bilhões da Educação. Como se vê, é um ataque que afeta diretamente nossa categoria, causando danos ao nosso salário, à nossa carreira e à própria universidade.

Ainda com relação às Universidades Públicas, além do desinvestimento criminoso, Bolsonaro tem protagonizado inúmeros ataques à autonomia universitária, sendo autorizado para tanto parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal. Recentemente, o STF decidiu que o presidente Jair Bolsonaro deve seguir a lista tríplice das Universidades Federais para as eleições de reitores, porém não é obrigado a indicar como reitor o nome mais votado pelos colegiados das instituições. A alegação dos Ministros que votaram contra a obrigatoriedade é que, de acordo com a Lei 9.192, de 1995, o Presidente deve escolher um dos indicados das listas tríplices, não necessariamente o primeiro colocado. Trata-se de um discurso legalista, baseado na Constituição Federal, que o próprio Jair Bolsonaro não cansa de rasgar. É necessário notar que, até a presidência de Michel Temer, a praxe era nomear o candidato mais votado das listas tríplices, respeitando, assim, o processo democrático realizado em cada Universidade. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), desde o início de sua gestão, Bolsonaro nomeou como reitores ao menos 14 docentes que não eram os primeiros nomes das listas. O que o presidente vem fazendo é escolher pessoas alinhadas às suas perspectivas políticas, de forma a aparelhar as Universidades Federais às diretrizes do grupo que detém atualmente o controle do poder executivo federal.

Na seara dos últimos ataques promovidos contra as universidades, um ex-reitor e o pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas foram alvos de um termo de ajustamento de conduta, após criticarem a gestão de Jair Bolsonaro, por tentar nomear uma candidata menos votada na lista tríplice. Os professores simplesmente afirmaram a verdade: que o presidente passou por cima da autonomia universitária e fizeram críticas pertinentes, baseadas nas próprias falas e ações do presidente da república. Trata-se de um ataque à liberdade de expressão, à liberdade de cátedra, de dois professores que simplesmente falaram a verdade.

Aqui, na UFMG, temos sentido os impactos do desinvestimento criminoso promovido pelo governo federal. Contra e apesar disso, foi anunciado que está sendo desenvolvido o primeiro imunizante nacional contra a covid-19 pelo Centro de Tecnologia em Vacinas, junto com outros estudos relevantes na mesma área de vacinas. Se tudo correr como previsto e houver os investimentos necessários, o Brasil terá uma vacina nacional contra o novo coronavírus (covid-19) em 2022.

Um outro ponto importante para nossa análise foi que, na semana passada o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou todas as condenações ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela Justiça Federal do Paraná, relacionadas às investigações da Operação Lava-Jato. Segundo o relatório do Ministro, a 13ª vara federal de Curitiba não tem competência para julgar os processos do tríplex de Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP), e dois outros, relacionados ao Instituto Lula, que levaram à prisão do ex-presidente e à perda de seus direitos políticos, não podendo concorrer nas eleições de 2018. A decisão de Fachin teve inúmeras repercussões no meio político. Em primeiro lugar, representou uma tentativa do Ministro de extinguir um dos recursos da defesa de Lula, que pedia a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Além de declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, o ministro tentou arquivar todos os outros pedidos da defesa. Porém, o Supremo decidiu pela continuidade deste julgamento, e a decisão sobre a suspeição de Moro encontra-se momentaneamente empatada (2 votos a favor e 2 contra). Um pedido de vista do Ministro Nunes Marques adiou o resultado final da votação. A defesa de Lula argumentou justamente que Moro criou uma farsa com promotores para criminalizar o ex-presidente e afastá-lo das eleições. Como efeito político, podemos também perceber a mudança de tom de Jair Bolsonaro após o primeiro pronunciamento público de Lula. O ex-presidente foi enfático, principalmente, na falta de uma gestão séria pelo Governo Federal neste momento de pandemia. Como reação, Bolsonaro sancionou uma lei que facilita a compra da vacina, ainda que continue minimizando a necessidade do distanciamento social e derrapou nas respostas com relação ao que ele chama de “tratamento precoce” para aqueles que estão infectados com Covid-19, com medicamentos que não têm nenhum respaldo científico. Para tomar atitudes, o presidente da República precisou que um adversário político como o ex-presidente Lula viesse a ter a possibilidade de concorrer nas eleições presidenciais de 2022 e, ainda, a criticá-lo publicamente.

Este fato político demonstrou que Bolsonaro, quando acuado, recua¹. Com essa perspectiva, discutiremos na assembleia, alguns problemas imediatos da nossa categoria, tais como o calendário acadêmico, o ensino remoto emergencial (ERE), as novas ameaças à nossa carreira a partir da Reforma Administrativa, etc. Essa perspectiva poderá nos ajudar a traçar um plano de lutas. A Universidade Federal de Minas Gerais prova continuamente seu valor à sociedade, ao promover ensino, pesquisa e extensão que, longe de procurar lucros, busca dar respostas concretas aos problemas concretos que estamos enfrentando neste cenário adverso, obscurantista, negacionista e de crise. Nós, do APUBHUFMG+, chamamos a todos dessa assembleia a somar forças, a fortalecer o nosso sindicato, ousando lutar para reverter os ataques já realizados e defender a categoria dos que ainda estão por vir.

 

¹ Durante a realização da Assembleia da APUBH, no dia 16 de março de 2021, esta análise entrou em debate. Um ponto controverso foi o relativo às possibilidades de recuo de Bolsonaro. Considerou-se a possibilidade de que o atual presidente, perante o atual cenário político, aposte em acirrar ainda mais o radicalismo de suas posições. Este aspecto será mais bem estudado nos próximos dias, com o caminhar dos acontecimentos da conjuntura nacional, vindo a ser eventualmente tema de uma nova manifestação do APUBH.