A intervenção na FAPERJ*
* Artigo escrito por Paulo Sérgio Lacerda Beirão, professor emérito da UFMG e integrante da Diretoria Ciência, Tecnologia e Educação do APUBHUFMG+
Uma ameaça que o Sistema de Ciência e Tecnologia (C&T) vem enfrentando em alguns estados é a incapacidade de seus governantes de entenderem que programas de desenvolvimento baseados em C&T são ações de Estado e não de Governo. O desenvolvimento científico e tecnológico depende de acúmulo de conhecimentos e, portanto, requer ações continuadas, que ultrapassam a duração de mandatos. Elas não podem ficar dependentes de humores momentâneos e circunstanciais da política partidária.
A vítima da vez é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), uma fundação presidida por um renomado cientista. Apesar do grande sucesso de sua gestão, está sendo planejada sua substituição por um político sem qualquer qualificação para o cargo, cujos únicos “méritos” são o de pertencer ao partido do governador e estar desempregado (perdeu a recente eleição).
Por que é fundamental preservar a autonomia das agências de fomento, como a FAPERJ? Ela tem a ver com o que se espera das ações ligadas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Aos governos cabe resolver os problemas existentes, usando os conhecimentos disponíveis no momento, enquanto às entidades de C&T cabe buscar novos conhecimentos para a solução desses problemas e para a prevenção de problemas futuros. Também cabe a elas detectar novas oportunidades para o desenvolvimento do Estado. São coisas distintas, não podem ser misturadas a preço de se prejudicar pesquisas estruturantes, de médio prazo, diante de demandas imediatas. É fazendo essa separação que as coisas funcionam nos países onde C&T são motores para o desenvolvimento econômico e social.
Tomemos o caso de Minas Gerais: o constituinte mineiro atribuiu ao governo estadual a gestão de 99% da receita orçamentária do estado para cumprir suas obrigações de governante, e teve a sensatez de destinar 1% dessa renda para que o estado não fique imobilizado sempre com as mesmas soluções para os velhos problemas. Para a gestão dos recursos do governo são eleitos políticos, e isso não se questiona. A quem deve caber as decisões de como aplicar os outros 1%? Acho que não é difícil a resposta: deve caber a quem tem o conhecimento das lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas para que novas soluções sejam alcançadas. Deve caber a quem tem o conhecimento das novas tecnologias que estão sendo criadas e que poderão ser empregadas. Deve caber a quem tem o conhecimento de novas ameaças (como pandemias e crises climáticas, por exemplo) ou de novas oportunidades (como novas fontes de energia, emprego de Inteligência Artificial, etc.). Para nos defendermos das ameaças e para aproveitarmos as oportunidades é necessário o investimento em pesquisa, e são os cientistas e tecnólogos as pessoas capazes de melhor direcionar a aplicação dos recursos. A indicação de pessoas sem a devida qualificação científica é uma perversão dessa lógica, como está sendo ameaçada a FAPERJ. Em Minas, embora estejamos em uma situação equilibrada, o lamentável decreto 48.715, de 26/10/2023 do governo Zema, abre a possibilidade de que o mesmo ocorra e paira como uma permanente ameaça aos gestores da FAPEMIG. Eles podem ser exonerados a qualquer momento, dependendo de caprichos partidários. Isso subordina a FAPEMIG ao governo e a interesses imediatos, contrariando a vontade implícita na nossa Constituição Estadual. Felizmente há importantes iniciativas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para que seja garantida explicitamente na nossa Constituição a autonomia da FAPEMIG. Assim estaremos zelando para a mais adequada aplicação dos recursos constitucionais e garantir um melhor futuro para nosso cidadão.