Os impactos da Reforma da Previdência para os atuais servidores por data de ingresso no serviço público: a relativização dos direitos adquiridos
Confira a terceira edição da série de análises da Assessoria Jurídica do APUBH sobre os impactos da Reforma da Previdência. Atualizado com base no último substitutivo apresentado.
Em 7.8.2019, a Câmara dos Deputados concluiu, em segundo turno, a aprovação do texto da Proposta de Reforma a Previdência apresentada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro.
Dentre as diversas mudanças que foram apresentadas e que estão sendo amplamente discutidas em âmbito nacional, destacam-se os impactos dessa reforma para os servidores federais, tendo em vista o ano em que ingressaram no serviço público.
Atualmente, já se verifica a distinção quanto à aposentadoria dos servidores públicos tendo em vista o seu ano de ingresso nesse regime:
Ingresso antes de 1998 |
Ingresso após dezembro de 1998 e anterior a dezembro de 2003 |
Ingresso a partir de janeiro de 2004 |
Ingresso após 04/02/2013 |
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REQUISITOS |
Regra 85/95 (art. 3º, EC nº 47/2005) Obs: a cada ano de contribuição ultrapassado do valor mínimo (35/30), subtrai-se um ano de idade. |
(art. 6º, EC nº 41/2003) |
(art. 40, III, a, CRFB/88); |
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VALOR DA APOSENTADORIA |
Aposentadoria integral de acordo com a última remuneração recebida na atividade, assim como direito a paridade, direitos alcançados ao completar a regra de pontuação prevista (idade + tempo de contribuição)
-reajustes acompanham os da categoria
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Última remuneração, com direito à integralidade e paridade
– reajustes acompanham os da categoria |
100% da média aritmética simples das maiores remunerações correspondente a 80% de todo o período contributivo desde a competência de julho de 1994 ou desde a do início a da contribuição, se posterior aquela competência
– reajustes pelo RGPS |
100% da média aritmética simples das maiores remunerações correspondente a 80% de todo período contributivo, observado, para o resultado da média aritmética, o limite máximo estabelecido para os beneficiários do RGPS + Aposentadoria Complementar (se aderir a Funpresp)
– reajustes pelo RGPS |
REGIME ESPECIAL DE IDADE E TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO |
REQUISITOS |
Ingresso anterior a dezembro de 2003 |
Ingresso a partir de janeiro de 2004 |
Ingresso após 04/02/2013 |
PROFESSORES EBTT
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(art. 40, § 5º, CRFB/88) |
Última remuneração, com direito a integralidade e paridade
–reajustes acompanham os da categoria |
100% da média aritmética simples das maiores remunerações correspondente a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior aquela competência
– reajustes pelo RGPS |
100% da média aritmética simples das maiores remunerações correspondentes a 80% de todo o período contributivo, observado, para o resultado da média aritmética, o limite máximo estabelecido para os beneficiários do RGPS + Aposentadoria Complementar (se aderir a Funpresp)
– reajustes pelo RGPS |
Diante dessa situação, o texto da Proposta de Emenda à Constituição afeta não apenas os futuros servidores, mas também os que estão na ativa antes de sua aprovação.
Nesse sentido, a PEC estabeleceu Regras de Transição para os servidores públicos que ingressarem no serviço público antes de sua promulgação, com o suposto intuito de amenizar as mudanças drásticas pretendidas, sempre envolvendo o aumento da idade e do tempo de contribuição.
A primeira regra de transição dispõe que os servidores federais (carreira de Magistério Superior) que tenham ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor da Emenda, poderão se aposentar quando preencherem, cumulativamente, 61 anos de idade (homem) ou 56 anos de idade (mulher), idade aumentada para 62 e 57 anos, respectivamente, a partir de janeiro 2022, 35 anos de contribuição (homem) ou 30 anos de contribuição (mulher), 20 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria. Nessa hipótese, ainda, os servidores deverão completar o somatório de idade e tempo de contribuição de 96 pontos (homem) e 86 pontos (mulher), acrescida de um ponto a cada ano, a partir de 1º de janeiro de 2022, até o limite de 105 e 100 pontos, respectivamente.
Os professores do ensino básico (carreira EBTT) que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil, no ensino fundamental e médio, poderão se aposentar quando preencherem, cumulativamente: 56 anos de idade (homem) ou 51 anos de idade (mulher), idades aumentadas, respectivamente, para 57 e 52 anos a partir de janeiro 2022, acrescenta-se ainda 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos de contribuição (mulher), 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo. Ainda será necessário o somatório de idade e tempo de contribuição de 91 pontos, se homem, e 81 pontos, se mulher, acrescida de um ponto a cada ano, a partir de 1º de janeiro de 2020, até o limite de 100 pontos e 92 pontos, respectivamente.
Nessa primeira regra de transição, verificam-se distinções em relação ao cálculo do valor do benefício, tendo em vista o ano de ingresso no serviço público:
Ingresso até dezembro de 2003 |
Ingresso a partir de 2004 |
Ingresso após 04/02/2013, com previdência complementar |
Se atingir a idade de 65 anos (Homem – Magistério Superior) e 62 anos (Mulher – Magistério Superior) ou 60 anos (Homem – EBTT) ou 57 anos (Mulher – EBTT) o cálculo do benefício corresponderá à totalidade da remuneração no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, garantindo-se a integralidade e a paridade.
Os reajustes, portanto, acompanham os da categoria. |
O benefício corresponderá a 60% da média aritmética simples de todas as remunerações, somados 2%, a cada ano que ultrapassar 20 anos de contribuição, até chegar aos 100% da média, com 40 anos de contribuição.
Nesse caso os reajustes seguirão os termos estabelecidos para o RGPS. |
O valor da aposentadoria corresponderá à 60% da média aritmética simples das remunerações e salários de contribuição, somando-se 2% para cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição até o limite de 100%, com 40 anos de tempo de contribuição. Aqui deve ser observado, para o resultado da média aritmética, o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Se o servidor aderir ao Funpresp, terá uma expectativa de Aposentadoria Complementar.
Os reajustes seguirão os termos estabelecidos para o RGPS. |
Uma segunda regra de transição foi estabelecida na medida em que, na prática, a primeira regra não assegura minimamente uma transição justa e proporcional, que resguarde as expectativas de direitos retiradas pela Reforma.
Nessa regra, os servidores públicos (Magistério Superior) poderão se aposentar assim que completarem 60 anos de idade (homem) ou 57 anos de idade (mulher), bem como 35 anos de tempo de contribuição (homem) ou 30 anos de contribuição (mulher), 20 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria. Isso tudo se pagarem um pedágio de 100% sobre o tempo que faltar para o tempo mínimo de contribuição exigido (35/30).
Nessa hipótese, se o servidor público for professor do ensino básico (carreira EBTT) que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil, no ensino fundamental e médio, o requisito de idade e tempo de contribuição serão reduzidos em dois anos, 58 anos de idade (homem) ou 55 anos de idade (mulher) e 30 anos de contribuição (homem) ou 25 anos de contribuição (mulher). Nessa hipótese, também será necessário o pagamento de pedágio de 100% sobre o tempo que faltar para o tempo mínimo de contribuição (30/25).
O valor do benefício na segunda regra de transição também varia conforme o ano de entrada no serviço público, conforme segue:
Ingresso até dezembro de 2003 |
Ingresso a partir de 2004 |
Ingresso após 04/02/2013, com previdência complementar |
Se atingir a idade de 60 anos (Homem – Magistério Superior) e 57 anos (Mulher – Magistério Superior) ou 58 anos (Homem – EBTT) ou 55 anos (Mulher – EBTT) o cálculo do benefício corresponderá à totalidade da remuneração no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, garantindo-se a integralidade e a paridade.
Os reajustes acompanham os da categoria. |
O benefício corresponderá a 100% da média aritmética simples de todas as remunerações.
Nesse caso, o reajuste seguirá os termos estabelecidos para o RGPS. |
O valor da aposentadoria corresponderá à 100% da média aritmética simples de todas as remunerações. Aqui deve ser observado, para o resultado da média aritmética, o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Se o servidor aderir ao Funpresp, terá uma expectativa de Aposentadoria Complementar.
Os reajustes seguirão os termos estabelecidos para o RGPS. |
Finalmente, é importante destacar que, no texto inicial da Reforma, as novas regras valeriam para todos os servidores: federais, estaduais ou municipais. A Câmara dos Deputados, todavia, devido essencialmente a motivos de ordem política, optou por excluir os servidores estaduais e municipais.
Engana-se quem acredita que tal decisão foi um alívio para essas classes de servidores. Agora a PEC segue para a aprovação no Senado, que poderá incluir os servidores públicos estaduais e municipais na reforma da Previdência Social por meio de uma segunda Proposta de Emenda à Constituição (PEC)[1]. Desse modo, o texto principal da Reforma (PEC nº 06/2019) poderá ser aprovado pelos senadores no próximo semestre sem alterações.
A nova PEC tramitará concomitantemente à PEC nº 06/2019, mas permitirá que o núcleo duro da Reforma da Previdência seja promulgado mais cedo. O Senado deve analisar o texto da reforma principal em agosto e, se não ocorrerem alterações, a finalização da PEC que abarca os servidores federais dependerá apenas dos prazos regimentais.
Esses mecanismos não são novos, e foram usadas na Reforma da Previdência de 2003, que resultou na Emenda Constitucional nº 41/2003[2]. Referida EC extinguiu a aposentadoria integral e a paridade no serviço público, além de instituir contribuição previdenciária sobre o valor da aposentadoria que ultrapassar o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Naquela época, a PEC paralela foi apresentada uma semana depois da aprovação do texto principal da Reforma no Senado. Promulgada em 2005, ela se transformou na EC nº 47/2005 que retornou com a garantia da integralidade e da paridade para servidores que ingressaram no serviço público até 16 de dezembro de 1998. Contudo, desta vez, a nova PEC paralela não vem com viés agregador, para corrigir falhas na PEC principal, mas, ao contrário, para ampliar o âmbito de aplicação da Reforma inserindo servidores estaduais e municipais, sem prejudicar a celeridade de aprovação da PEC principal que atinge os servidores federais.
Em vias de conclusão, a atual Reforma da Previdência traz regras de transição muito drásticas para os servidores que contribuíram com 11% sobre a totalidade de suas remunerações e, por isso, tinham legítimas expectativas de se aposentarem com determinados requisitos.
Além de trazer novas regras para os futuros servidores, a PEC nº 06/2019 relativiza os direitos adquiridos até então preservados inclusive pelas emendas constitucionais anteriores (EC nº 41/2003 e EC nº 47/2005).
Se a grande mídia impõe aos servidores públicos o peso da Reforma, a constatação é que que estes trabalhadores há muito não são considerados enquanto tais, vistos mais como mera rubrica orçamentária, seguem com seus direitos sendo vilipendiados na mesma medida em que se diminui o papel do Estado como garantidor de serviços sociais à comunidade.
Belo Horizonte, 9 de agosto de 2019.
Sarah Campos, assessoria jurídica do APUBH