“No momento em que a sociedade precisa de nós, a ciência brasileira está em pé”, diz reitor da UFPel
Fonte: Jornal da Ciência
No último painel da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC, realizado no dia 17 de julho, pesquisadores brasileiros renomados debateram os rumos futuros da pandemia
Para os especialistas que debateram os rumos futuros da pandemia no último painel da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC, realizado no dia 17 de julho, às 18h, em países que não adotaram um distanciamento social mais rígido, a tendência é que a epidemia do novo coronavírus aumente. E este é o caso do Brasil. O painel, que foi apresentado pelo vice-presidente da SBPC, Aldo Malavasi, contou com epidemiologistas renomados Claudio Struchiner, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Eduardo Massad, professor e pesquisador da Escola de Matemática Aplicada da FGV/RJ, e Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Em sua explanação, o epidemiologista Struchiner disse que a previsão atual é que até o ano de 2022 o mundo irá conviver com o novo coronavírus. “O que não sabemos é qual será o papel da imunidade, do clima e das interferências comportamentais como preservação do distanciamento social e das práticas de higiene”, explica.
“Ao mesmo tempo entramos em um novo estágio que é da procura para intervir na transmissão. Temos dois mecanismos, sendo o primeiro a implementação do distanciamento, com perspectivas mais pontuais, e o segundo a avaliação de vacina”, disse. O ensaio vacinal contra a covid-19 estima-se na ordem de 30 mil a 100 mil indivíduos.
Segundo ele, uma vacina possui três mecanismos distintos: o do bloqueio da infecção; a modificação morbidade; e o bloqueio da transmissão. “A maneira mais interessante seria acompanhar – dentro de um contexto os indivíduos vacinados e não vacinados-, para assim, termos uma informação mais correta sobre esse desafio natural”, explica.
Pedro Hallal, reitor da UFPel, concorda com Struchiner que o vírus continuará sendo transmitido por um período. “Mesmo que tenhamos uma possível vacina, iremos conviver com este vírus por mais tempo. Por isso, teremos que nos adaptar e, para isso, precisamos fazer uma previsão realista no Brasil”, disse ao lamentar que a pesquisa EpiCovid-19, estudo epidemiológico do mundo sobre coronavírus, do qual ele é coordenador, está parada por falta de recursos.
Conforme explicou, a EpiCovid-19 é uma pesquisa que nasceu no Rio Grande do Sul, e depois o Ministério da Saúde encomendou uma versão nacional. “Começamos o estudo porque só tínhamos informações sobre o vírus que os outros países que nos passavam. Queríamos saber como que ele se comportaria no Brasil”, conta.
Segundo Hallal, já foram feitas cinco fases do estudo no Rio Grande do Sul, mas ainda faltam realizar outras três. “Infelizmente só realizamos as três fases iniciais da pesquisa nacional encomendada pelo Ministério da Saúde. E o Brasil tendo o tamanho que tem, conta com várias curvas epidemiológicas de acordo com suas características regionais”, disse ele ao explicar que desde a saída do ministro Luiz Henrique Mandetta o diálogo com a Pasta foi interrompido.
Hallal afirma que, segundo as primeiras fases do estudo nacional, o número de casos de coronavírus no País é entre 6 e 7 vezes maior do que foi apontado até agora nas estatísticas oficiais. No início do estudo, em maio, a conclusão era de que 1,9% da população brasileira estava infectada, agora o percentual saltou para 3,8%. “Hoje mais de 10 milhões de pessoas podem ter tido contato com o coronavírus”, afirma.
Diferente de outros trabalhos na área, o estudo sugeriu que a maioria dos pacientes não é assintomática, mas apresenta sintomas leves. Chamou atenção de Hallal ainda que 60% dos infectados tiveram alteração de olfato ou paladar. O EpiCovid-19 testou 89.397 pessoas em capitais e cidades de grande porte entre 14 de maio e 24 de junho, em três fases de pesquisa.
“Com algumas similaridades com os Estados Unidos, o Brasil foi um dos poucos países que reabriu o comércio exatamente quando o vírus estava no maior grau de circulação. O que nos preocupa, porque faz com que a curva epidêmica seja mais ‘gorda’ do que de outros países que praticaram o lockdown, freando a circulação do vírus”, disse.
Para Hallal, a falta de financiamento para o estudo EpiCovid-19 é simbólica para mostrar o quanto a ciência brasileira tem sido negligenciada pelo governo e ressalta a luta da SBPC e de entidades acadêmicas e cientificas sobre o assunto.
“Não dá para estimar efeitos colaterais benéficos dessa pandemia já que temos 75 mil famílias que perderam seus entes queridos em decorrência de um vírus que sequer existia meses atrás. Mas, se tivéssemos que ir para a janela e fazermos uma salva de palmas, assim como foram feitos para os profissionais de saúde e de segurança, deveríamos voltar às janelas e bater palmas para a ciência brasileira, que vem sendo subfinanciada e subvalorização no momento em que se tornou corriqueiro, inclusive, sugerir que a terra seja plana, a ciência brasileira de forma gigante tem dado respostas espetaculares. Tem pesquisadores brasileiros participando diretamente de estudos avançados como vacinas e testagem. No momento em que a sociedade precisa de nós, a ciência brasileira está em pé”, finaliza.
Volta às aulas
Já Massad falou sobre a decisão precoce da reabertura de escolas a partir de setembro em meio ao avanço da pandemia do novo coronavírus no Brasil. No Estado de São Paulo, prevê-se um retorno em setembro, se todo o estado reduzir as taxas de contaminação, e com volta gradual dos estudantes à sala de aula.
Para o especialista, que fez um estudo matemático para o Brasil todo, o desempenho da cidade de São Paulo, cujo número de novos casos tem crescido diariamente, chegaria a seu pico em outubro se o nível de isolamento sem mantivesse a 50%. “Já estão discutindo a volta às aulas em setembro, mas a curva epidêmica de São Paulo já atingiu o valor máximo em julho e não caiu como esperávamos. Ela está em um platô e deve começar a cair em agosto, se o nível de isolamento ficar em 50%. Com o processo de reabertura, o isolamento já caiu para 40%, e com isso, devemos esperar a manutenção deste platô”, explica.
Segundo ele, se as aulas voltassem no dia 1º de agosto, há uma projeção de que se um total de 550 mil pessoas infectadas se misturassem com cerca de 35 milhões de pessoas suscetíveis, o Brasil teria 7.400 casos e 38 mortos pela covid-19 logo no primeiro dia de aula, casos e mortes dobrariam após 10 dias e quadruplicariam após 15 dias, chegando ao total de quase 300 mil casos e 1.600 mortes adicionais no final de duas semanas de aulas.
Massad reforçou que as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) devem ser seguidas no retorno às aulas, como fazer testagem em massa por RT-PCR. Ele ainda afirma que a volta às aulas deve ser feita com o uso de máscaras faciais, mantendo o distanciamento de 2 metros uns dos outros, garantindo ventilação continuada e preferencialmente que os espaços sejam desinfetados com luz ultravioleta. “Nada disso é factível nas escolas públicas. Porque se isso não acontecer, o resultado pode ser catastrófico”, lamenta. E completa, “no Brasil morrem mil pessoas por dia. Desse número, cerca de cinco são crianças. E, na minha opinião, se tiver o risco de morrer uma única criança por escola, não pode abrir. Esse é um número inaceitável”, conclui Massad.
Vivian Costa – Jornal da Ciência