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NADi/APUBH – Entrevista: Condições de trabalho da categoria docente nas Universidades

O mês de maio é marcado pela data de homenagem à classe trabalhadora, lembrando os movimentos grevistas que lutavam por condições dignas de trabalho. Especialmente nesse ano, estamos em plena erupção da luta da categoria docente e outras categorias de servidores federais pela melhoria de suas condições laborais.

Sabendo que as condições concretas de trabalho são cruciais, se não determinantes, da saúde no trabalho, a luta pelas melhorias faz-se fundamental para prevenção de adoecimentos, acidentes e sofrimento no ambiente laboral. Condições dignas são garantidoras de bem-estar e saúde física e mental da classe trabalhadora.

O APUBH UFMG+ tem se dedicado a compreender, discutir, acolher, dialogar e refletir sobre esse cenário. O Sindicato, apoiou, inclusive uma importante pesquisa sobre condições de trabalho em universidades brasileiras. O estudo foi realizado e coordenado pela professora Lívia de Oliveira Borges[1].

Diante da conjuntura atual de luta e da importância da compreensão do cenário de trabalho real ao qual a categoria docente é submetida, convidamos a professora a apontar os principais achados de sua pesquisa.

 

Professora, o que motivou a pesquisa e quais seus objetivos?

 Na realidade já pesquisei acerca dos servidores universitários em outros momentos da minha trajetória, mas, desde 2015, passaram a ser os sujeitos do meu principal projeto de pesquisa. Além disso, a literatura especializada e a nossa própria experiência no cotidiano de trabalho como docentes têm indicado que os adoecimentos e sofrimentos psíquicos têm sido crescentemente visíveis. No laboratório de pesquisa, observamos que, apesar de existir um discurso que atribui as causas desta realidade às condições de trabalho e as exigências crescentes por produtividade acadêmica, na hora de se pensar soluções, mesmo por parte das instituições universitárias, essas são prevalentemente assistenciais e focalizando o preparo do servidor para lidar com as situações. Em última análise, contribuem para uma autoculpabilidade. Obviamente, que não estamos querendo negar a necessidade de reparação. Se o servidor já apresenta adoecimento e/ou profundo sofrimento psíquico, o seu direito a ter assistência não pode ser negado. No entanto, considero que seja necessário pôr o foco nas causas sociais e institucionais que contribuem para tal situação, de modo que possamos abordar o assunto por uma perspectiva mais preventiva. Devemos considerar que há antecedentes teóricos bastante fortes na história da compreensão teórica do adoecimento e sofrimento mental que respaldam o caminho que escolhemos, como as contribuições de Le Guillant na França que evidenciou a influência do trabalho repetitivo na gênese de adoecimentos, Mirowsky e Ross que defenderam e demonstraram a causação social do adoecimento psíquico e estresse psíquico, Peter Warr com seu modelo ecológico entre outros. Por isso, desenvolvemos antes (2015-2019) pesquisa focalizando os fenômenos das condições de trabalho e saúde psíquica. Para isso, partimos de um conceito ampliado de condições de trabalho, que abrange aspectos do entorno do trabalho, mas também seu conteúdo e os marcos legais e institucionais. Levantamos taxonomias disponíveis na literatura sobre condições de trabalho, as pesquisas nacionais sobre o trabalho docente e mantivemos uma equipe de pesquisa que envolvia além de minha pessoa, outros professores, estudantes de pós-graduação e graduação e servidores técnico-administrativos da UFMG. As pesquisas evidenciavam muitos aspectos das condições e precarização do trabalho nas universidades. Esses antecedentes permitiram uma categorização das condições de trabalho e desenvolvemos um questionário estruturado específico, o QCT. Desenvolvermos análises que permitiu simultaneamente elaborarmos uma tipologia específica das condições de trabalho e avaliar a validade e consistência do questionário. Isto está publicado. Sem descer a excessivos detalhes. O questionário conseguiu identificar fatores empíricos (n=15) e contradições das condições de trabalho, como: sentir respeito às limitações humanas nas interações cotidianas e, ao mesmo tempo, dimensionar as exigências no trabalho como desproporcionais, presenciar formas de violências como assédio moral, contar com precárias condições materiais e de instalações físicas; valorizar as responsabilidades assumidas e as oportunidades de contínua atualização, mas incomodar-se com as formas burocratizantes e/ou com as formas da intensificação do uso de informática; identificar-se com os objetivos e funções universitárias, mas perceber insuficiente suporte e proteção.

Apesar dos antecedentes teóricos que nos incentivaram a explorar a relação das condições de trabalho e a saúde psíquica, o que mais nos impressionou foi verificar que 13 dos 15 fatores de condições de trabalho resultante da nossa categorização e fatoração do questionário, foram capazes de diferenciar de maneira estatisticamente significante os perfis de saúde mental. Esses, identificamos utilizando questionários psicológicos já consolidados que afere alterações psíquicas comuns, autoestima, interferência do trabalho na família e vice-versa, afetos positivos e negativos. Essa pesquisa antecedente, teve seus resultados apresentados anteriormente à nossa comunidade acadêmica e conta com publicações disponíveis a todos.

Essa trajetória, resumida aqui, nos motivou para realizar outra pesquisa mais ampla no sentido de envolver outras Instituições de Ensino Superior (IES) públicas para buscar responder questões mais específicas: que resultados da UFMG se mantinham? Em outras universidades públicas as relações são as mesmas? E dos treze fatores de condições de trabalho mencionados quais impactam mais na saúde mental?

Quando começamos a pesquisa, antes que iniciássemos as atividades de campo, veio a pandemia e todas aquelas pressões do governo anterior referentes a depreciação do servidor e das universidades públicas, ao lado do negacionismo da importância do conhecimento. Então, resolvemos comparar os dois tempos de atividades de campo na UFMG – antes e depois da pandemia – e adotamos mais dois fenômenos intervenientes: a experiência dos servidores com a pandemia e a percepção do servidor do prestígio organizacional.

 

Brevemente, quais foram os grupos estudados, a metodologia de pesquisa e período da pesquisa?

Incluímos na pesquisa dois grupos ocupacionais dos servidores universitários: os docentes e os técnico-administrativos em educação (TAE). Desenvolvemos as atividades de campo em quatro universidades. Além da UFMG, incluímos: uma universidade federal também do Sudeste, mas inserida no interior e criada no atual século; uma universidade federal do Nordeste e uma universidade estadual também nordestina. As atividades de campo consideradas nas nossas análises na UFMG ocorreram em 2017 e no segundo semestre de 2022.

As atividades campo consistiram na aplicação online de questionários estruturados, utilizando o aplicativo survey monkey com apoio de cada instituição participante. Desta forma, um link com acesso aos questionários era enviado a todos os servidores, os quais respondiam de forma voluntária e anônima. As entidades sindicais como a APUBH e SINDIFES também se implicaram e divulgaram a pesquisa no período das atividades de campo.

 

Quais os principais achados e o que mais chamou atenção nesses resultados?

Entre os resultados que me chamaram atenção, o primeiro se refere ao aumento das alterações psíquicas comuns (APC) e da interferência do trabalho na família (ITF), sendo que esse último indicador só cresceu realmente para os TAE. No caso dos docentes, já era muito alto mesmo antes da pandemia.

Tanto no que se refere as condições de trabalho quanto aos indicadores de saúde mental, encontramos diferenças entre as universidades, mas as diferenças recorrentes são entre a universidade fundada no presente século (que passou por uma intervenção na gestão passada) e as demais. As diferenças principais não se apresentaram nem por região geográfica (Sudeste e Nordeste), nem por ser federais ou estadual. E dessas diferenças chama atenção que, na citada universidade jovem, os afetos negativos tenham prevalecido aos positivos. Só nela ocorreu esse fenômeno.

Sobre as condições de trabalho específico, na UFMG em relação aos aspectos contratuais e jurídicos, houve manutenção da taxa de sindicalização, mas observamos também aumento significativo do número de servidores que nunca participam das atividades sindicais (De18,5% para 41,6% entre os TAE e De 17,1% para 31,6% entre os docentes). Há diferenças entre as universidades na maioria dos 15 fatores de condições de trabalho, mas não no que se diz respeito a Precariedade Material, Riscos do Ambiente Físico e Atualização do Saber. Denota o que tem se generalizado entre as instituições. No que se refere à experiência com a pandemia, os TAE mostraram tendência, atravessando todas as instituições, de sentirem valorizados, enquanto entre os docentes a tendência prevalente era perceber a invasão da vida familiar e pessoal. Então, lembramos que enquanto para os TAE predominou atividades assíncronas, para os docentes foram as atividades síncronas que se multiplicaram no período. Acerca do Prestígio Organizacional houve uma tendência geral por escores elevados, sendo significativamente mais baixos para docentes e TAE apenas na universidade jovem do Sudeste que tinha passado por intervenção.

Desenvolvemos análises para identificar entre todos os fenômenos (condições de trabalho, experiência com a pandemia e prestígio organizacional) quais eram aqueles de maior impacto nas alterações psíquicas comuns e na percepção de Interferência do Trabalho na Família. Para as alterações psíquicas foram o Prestígio Organizacional (fator protetor), o desestímulo causado pela pandemia, a percepção de violência, o respeito às limitações (condição de trabalho relativas às relações interpessoais), a valorização da responsabilidade do servidor e a idade (inversamente proporcional). No entanto, quando fizemos análises considerando só uma universidade, notamos que naquela em que os servidores avaliam melhor o suporte oferecido pela instituição, especialmente em termos de saúde, o fator de Respeito às Limitações deixa de impactar as alterações psíquicas comuns.

Em referência à Interferência do Trabalho na Família, o fator de Exigências (desproporcionais) impacta acentuadamente mais do que os demais, mas é seguido por ser TAE ou docente e Respeito às Limitações.

 

Quais são as indicações de propostas/intervenções a partir dos achados da pesquisa em questão?

Os resultados podem nos ajudar a pensar o que fazer para evitar contribuir para o mal-estar dos servidores e/ou promover bem-estar ou saúde mental. Mas pode nos deixar também com mais capacidade para refletir sobre quanto e como estamos reagindo às más condições de trabalho e ao estilo gerencial das universidades que tende a ser indiferente a equilibrar melhor às exigências dirigidas aos servidores – docentes e TAE. A realidade é que melhores condições de trabalho precisam ser conquistadas, elas não são simplesmente ofertadas. O Estado, com variações entre visões governamentais do papel institucional das universidades, está em um cenário internacional em que as ideias dominantes são neoliberais que querem tratar as universidades como custo, privatizá-las se possível e/ou torna-las semelhantes a empresas guiadas por interesses econômico-financeiros. Como servidores, orgulhosos das nossas funções, queremos servir a instituições voltadas aos interesses sociais e/ou da sociedade como um todo, produzindo soluções para melhorar a qualidade de vida de todos e não, exclusivamente de uma elite. Temos queixas severas sobre as condições de trabalho, discordamos veemente de como as universidades tem sido tratadas subsequentemente. Mas por que não conseguimos levar esse debate para a sociedade com clareza e mobilização?

As Exigências desproporcionais nos incomodam muito, porque desequilibra as nossas diversas esferas de vida, mas também porque elas vão de encontro ao que concebemos que seja o papel da universidade. Esse ponto de vista, não é novo. Vários autores e pesquisadores já pontaram nesta direção, o que estamos fazendo de novidade é mostrar isso com análises bastante claras, contundentes e sistematizadas. As condições que encontramos são as mesmas que outros autores mostram como induzidas por uma concepção equivocada de universidade como prestadora de serviços a competir no mercado e induzidas por órgãos de fomento. As universidades, precisam exercer sua autonomia constitucional e conseguir melhor equilibrar os fatores de condições de trabalho visto como contraditórios. Se pensamos a longo prazo, essas ações serão importantes para a sobrevivência institucional, a qual resulta entre outros aspectos das ações de seus atores, os quais precisam manter a saúde psíquica.

Nas devoluções às instituições fizemos várias recomendações pontuais, mas as reflexões as quais podemos desenvolver são mais importantes. Entre as recomendações pontuais mencionadas, destacamos: 1) Agir sobre as condições de trabalho (sem eliminar os programas de assistência individual e reparadoras), fortalecendo políticas de inclusão, questionando e replanejando processos burocráticos, fortalecendo a cooperação e a qualidade de relacionamento interpessoal e enfatizando a complementariedade e interdependência das atribuições de docentes e TAE; 2) Combater o produtivismo, promovendo maior equilíbrio entre exigências, condições materiais ambientais e burocratização, revisando metas, distribuição de atribuições, modos de informatização e automação, clareando que atividades podem ser realizadas à distância, bem como a participação no estabelecimento de prioridades.

 

 

[1] Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (1998) com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2005). Professora da UFRN de 1990-2008. Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (de jan/2009 a ago/2017). Atualmente professora aposentada, atuando como voluntária no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG. Ex-presidente da SBPOT (05/2003 a 05/2005). Coordenadora-Adjunta dos Programas de Pós-graduação (stricto sensu) Profissionais da área de Psicologia na Capes para o período (2023 a 2024). Pesquisadora CNPq (PQ-1A) até fev/2024. Experiência em pesquisa focalizando os seguintes temas: significado do trabalho, saúde psíquica e trabalho, socialização organizacional, condições e precarização no trabalho.