Acontece no APUBH

Os desafios da produção de conhecimento antirracista em contexto político conservador

O tema foi debatido no segundo dia da III Semana Negra do APUBH, que integra o Novembro Negro da UFMG. Assista no canal do sindicato no Youtube.

O professor Natalino Neves da Silva, do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação (FaE/UFMG), foi o convidado do segundo dia da III Semana Negra do APUBH. O docente, que possui mestrado e doutorado em Educação pela UFMG e atua em programas de pós-graduação stricto sensu na área, abordou o tema “Produzir conhecimento antirracista em contexto político conservador”. A conversa foi conduzida pela professora Analise de Jesus, vice-presidenta do APUBH UFMG+ e docente da FaE/UFMG.

A mesa foi transmitida ao vivo, na tarde de terça-feira (23/11), através do Canal do APUBH UFMG+. Assim como todas as demais atividades da Semana Negra, o vídeo continua disponível. Assista, comente e divulgue com as suas e os seus colegas:  https://youtu.be/q3P5h8Nbywg

O início da transmissão de cada uma das lives, que compõem a programação desta edição da Semana Negra, guardam uma particularidade: a exibição de dois vídeos. O primeiro deles mescla a performance de Clara Nunes para a música “Jogo de Angola”, composta por Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, com imagens da prática da capoeira.  O outro vídeo é o registro da participação do APUBH UFMG+ no ato público em 20 de novembro, quando o Dia da Consciência Negra completou 50 anos. Neste ano, a luta do movimento negro se uniu à luta de movimentos sindicais e sociais pelo fim do governo Bolsonaro.

Em comum, os dois registros expressam a ancestralidade e a cultura, a resistência e a luta, que constituem a história do povo negro no Brasil.  Essa expressão dialoga com o mote deste ano do Novembro Negro da UFMG, do qual a Semana Negra do APUBH faz parte: “Vozes e corpos que se afirmam”. Após a exibição dos vídeos, a vice-presidenta do APUBH UFMG+ refletiu: “é bonito, não é? Ver esse povo que, quando a gente nasceu, já estava na batalha e ver esse povo que deixa, pelo menos para as pessoas da minha geração, a sensação de que, quando nós formos, a luta não ficará abandonada”.

Educação antirracista, emancipatória e democrática

Em sua exposição inicial, o professor Natalino Neves da Silva abordou os avanços e retrocessos na construção de uma educação antirracista, emancipatória e democrática, nos diferentes âmbitos do ensino.

O professor Natalino opinou que a produção de conhecimento tem maior força em um “contexto sociopolítico orientado pelo Estado social democrático, o qual busca garantir a dignidade dos sociais e humanos, por meio da efetiva participação social e garantia do bem-estar das pessoas, através do estabelecimento de um conjunto de políticas públicas”. Essa realidade, contudo, se contrapõe ao cenário atual, em que a produção de conhecimento esbarra no pensamento sociopolítico conservador, caracterizado pelo autoritarismo, racismo, patrimonialismo, machismo e homofobia. O convidado também pontuou as características de propagação da desinformação, anti-intelectualismo e negacionismo, que afetam diretamente a produção de conhecimento, sobretudo o de caráter antirracista.

III Semana Negra do APUBH: “Produzir conhecimento antirracista em contexto político conservador”, com o professor Natalino Neves da Silva (UFMG).

O professor alertou que o movimento de orientação sociopolítica conservadora tem causado a censura do livre pensar de estudantes e docentes. Ele citou como exemplo a proposição de projetos como o “Escola sem partido”, que representa a censura da liberdade de ensinar e aprender.  Nesse sentido, o professor lembrou de uma publicação recente do Intercept Brasil que revela “vários casos de professoras e professores, da educação básica pública e particular, estão se sentindo coagidos em tratar de temas sociais relevantes, como racismo, identidade de gênero, fatos históricos sobre escravização forçada da população africana no país, bem como a ditadura militar, devido à censura da mordaça”.

Apesar dos retrocessos vividos no contexto atual, o professor chamou atenção para fatores internos e institucionais, que já figuravam anteriormente nas universidades. Na avaliação dele, “nos últimos anos, apesar de notar que determinadas áreas, com gradativo aumento de produções acadêmicas de caráter antirracista, é preciso reconhecer que o racismo institucional e epistêmico dificulta e muito a circulação, as condições de produção, o prestígio, a validação, entre outros, desse tipo de conhecimento”.

Outro fator levantado foi o número ainda baixo de docente negros e negras no espaço universitário e, por consequência, em ambiente de produção de conhecimento.

“Reeducar para o convívio das relações profissionais e acadêmicas de maneira crítica, afetiva, democrática e diversa”

O professor da FaE/UFMG também colocou em debate as condições materiais e simbólicas necessárias para a produção de conhecimento antirracista. Ele avalia que a Lei de Cotas (12.711/2012) contribuiu, ativamente, para o processo de democratização do acesso ao ensino superior.  Nas palavras dele, essa foi “uma possibilidade e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para que essas instituições, muitas vezes seculares, ofertantes do ensino técnico e superior, possam repensar acerca do racismo institucional e epistêmico, muitas vezes produzido e reproduzido em seu interior, bem como a chance para que possamos nos reeducar para o convívio das relações profissionais e acadêmicas de maneira crítica, afetiva, democrática e diversa”.  No entanto, como ele observou, a lei ainda não atingiu todo o seu potencial, pois ainda não é de conhecimento de grande parte da população.

Nesse caso, todavia, a política do atual governo federal, de cunho conservador e ultraneoliberal, também tem efeitos. O professor alertou para a contínua redução do financiamento público para os setores de educação e de ciência e pesquisa, que diminui o orçamento para as políticas de ações afirmativas. Esse é o caso, por exemplo, dos cortes nas políticas de assistência estudantil e das tentativas de desmonte e tentativa de desarticulação das políticas de igualdade racial.

 “Se quer ir rápido, vai sozinho; se quer ir longe, vai em grupo”

“Nos deparar com os movimentos sociais de caráter conservador, nos últimos cinco anos, contribui, de certa maneira, despertar a nossa percepção em relação aos sérios riscos que corre o nosso recém processo democrático, que vinha sendo construído a partir da promulgação da Constituição de 1988”, observou o professor Natalino. Todavia ele reforçou que a luta continua sendo tão necessária quanto possível, pois “o pensamento antirracista, emancipatório e anticolonial não é hegemônico. Muito pelo contrário, para fazer emergir a sua presença nos diferentes campos dos saberes, tem sido necessário realizar diversos tipos de agenciamentos sociopolíticos de caráter individual e coletivo”.

Na opinião dele, apesar do cenário de retrocessos, este deve ser um momento de reflexão crítica sobre o atual cenário e suas implicações, para buscar formas de construir alternativas viáveis.  Nesse sentido, ele reforçou o papel da ação coletiva daqueles, verdadeiramente, empenhados na construção de uma sociedade antirracista, emancipatória e democrática. Para reforçar a importância da luta coletiva e esperançar diante do caminho a ser trilhado, coletivamente, o professor citou um provérbio africano que diz: “se quer ir rápido, vai sozinho; se quer ir longe, vai em grupo”.

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