O que é fundamental para uma aposentadoria justa e digna?
A aposentadoria é uma conquista decorrente das lutas inerentes ao mundo do trabalho e à própria dinâmica da modernidade. O trabalho assalariado e os mecanismos protetivos legais modificaram as estruturas laborais ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, criando, através das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras, estruturas institucionais como a previdência social. Hoje, não mais podemos desvincular a previdência social do direito social.
A previdência social completou no Brasil, no dia 24 de janeiro, 100 anos de existência. No entanto, os direitos dos beneficiados pela previdência são constantemente atacados e desrespeitados, principalmente nos últimos governos que impuseram à gestão dos recursos públicos do país, uma relação de descaso, especialmente para com os servidores públicos. Pensando nesse cenário, mostra-se necessário que o debate sobre a aposentadoria seja mais amplo e abarque, além dos desafios a serem enfrentados, quais as demandas precisam ser escutadas e atendidas para que ela seja justa e digna.
Para isso, o APUBHUFMG+ entrou em contato com alguns professores e professoras aposentados para responderem à seguinte pergunta: O que você considera como fundamental para que os docentes tenham uma aposentadoria justa e digna?
Para o professor Jacyntho José Lins, da Faculdade de Letras da UFMG, é necessário que se pense na aposentadoria não como uma concessão, mas um direito do cidadão:
“Dessa perspectiva, a aposentadoria dos docentes não difere daquela dos demais trabalhadores – e para que seja justa e digna supõe, em primeiro lugar, o recebimento de um benefício, em termos de valores, condizente com a dignidade devida a cada vida, bem como o acesso a benefícios de seguridade social, como na esfera da saúde, pautados pela ideia do que cabe por justiça a cada brasileiro”
Além dele, o professor Orlando Gomes de Aguiar, da Faculdade de Educação, e uma professora, que optou por não ter seu nome divulgado, acrescentam que o ponto essencial está na manutenção da paridade entre ativos e inativos. Segundo o professor Orlando, “como as novas regras da aposentadoria do serviço público eliminaram esta prerrogativa. ”Precisamos garantir, por lei, reajustes iguais para trabalhadores da ativa e aposentados”. A professora ainda acrescenta: “(…) quando falo em “manutenção”, é porque sabemos que subterfúgios no vencimento dos ativos podem fazer com que a paridade se torne uma ficção. Precisamos, portanto, ficar atentos a isso. Ainda mais quando se sabe que a elevação da longevidade estende o tempo de vida de aposentadoria. Essa última razão aponta para outros fatores que também considero importantes, a saber: a criação de programas (sindicais ou governamentais) que ofereçam atividades culturais, esportivas, de lazer/recreação aos aposentados. Sem falar de programas que cuidem de sua saúde como, por exemplo, campanhas de vacinação etc.”
Além destes docentes, a professora Heloísa Mamede, do Instituto de Ciências Biológicas, enviou materiais em que discute a questão da aposentadoria. Em seu texto “Identidade e Aposentadoria”, a psicóloga e psicanalista aborda sobre a noção da identidade com base nas concepções de Mead, Erikson e Tap. No texto, ela afirma que é “a identidade que possibilita ao indivíduo sentir-se existir enquanto pessoa, sentir-se aceito e reconhecido enquanto tal pelo outro, por seu grupo ou sua cultura”. Articulando o trabalho laboral a ideia de identidade como um elemento de construção da pessoa, a professora coloca a atividade profissional como parte do sistema de relações sociais, sendo que a perda desse papel poderá ser associada a perda de referências identificatórias, atingindo o sujeito a nível pessoal. Assim, ao se aposentar, ou seja, não exercer mais a função que representa o sujeito em determinada medida, é importante nesse processo de identificação, o sujeito aposentado entender a perda de seu local no sistema de produção, buscando uma nova reorganização espacial e temporal na reestruturação da sua identidade pessoal. Por fim, ela sintetiza:
“A aposentadoria significa sempre uma situação de mudança implicando uma perda das estratégias de comportamento organizadas no quadro de uma situação conhecida e dominada como perda de poder, perda do status econômico, bem como, a perda da identidade sócio profissional, acarretando assim uma reorganização da identidade pessoal.”
As considerações finais que apontamos a partir do que conversamos com os professores e as professoras, vê-se que o desejo dos aposentados e aposentadas é que essa etapa da vida profissional seja valorizada de maneira simbólica e econômica, visto ser um momento da vida que sucede os anos de dedicação.
No que tange ao sujeito, a aposentadoria vincula-se as diferentes trajetórias profissionais, ao envelhecimento e as características de cada pessoa para lidar com este tempo novo da vida. Não devemos escamotear que a aposentadoria causa impactos na vida dos trabalhadores e trabalhadoras. O desafio que se coloca é pensar sobre as expectativas destes trabalhadores diante da aposentadoria, e como podem organizar ou reorganizar esta etapa em suas vidas.
Por fim, ainda há muito a se pesquisar em relação à aposentadoria dos docentes do magistério superior. Como as professoras e professores do magistério superior e das carreiras EBTT enfrentam, hoje, a situação da aposentadoria? Como tem sido as experiências dos docentes que se encontram na condição de aposentados? Quais são os maiores desafios para estes docentes? Quais as expectativas das professoras e professores que estão se aproximando da idade de se aposentarem? Estas são algumas perguntas que precisamos melhor entender dentro de nossa categoria. Devemos, portanto, olhar para a previdência social como uma celebração e também como uma conquista de lutas contínuas dos trabalhadores e trabalhadoras.
Pela valorização da previdência social no Brasil!