Do sonho ao pesadelo: a bola de neve da dívida estudantil
Criado em 1999 e passando por um crescimento exponencial em 2010, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) é um programa do Ministério da Educação que garante financiamento para que estudantes concluam o ensino superior em redes particulares de ensino. Ao completar 20 anos, em 2019, o programa atendia mais de um milhão de estudantes, sendo um importante mecanismo para ingresso dos alunos no ensino superior no Brasil.
Porém, o programa gera um problema concreto: como todo contrato de prestação de serviço, após formado, os estudantes tinham que pagar o financiamento e, em 2019, quase 50% dos discentes que estavam cursando ensino superior em instituições privadas, contemplados pelo programa, estavam inadimplentes. Hoje, em 2022, um balanço produzido pela TV Globo junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação evidenciou que 729.901 estudantes estavam em situação de inadimplência a, ao menos, 360 dias. Os discentes simplesmente não estão conseguindo pagar as parcelas do FIES.
Apesar do governo brasileiro oferecer possibilidades de renegociação da dívida, em que os inadimplentes podem ter um desconto entre 12% e 99% do saldo devedor, a situação é uma bola de neve. Em primeiro lugar, ao se formar, os jovens não têm garantias de conseguir um emprego no Brasil do governo Bolsonaro, onde impera o desemprego e a informalidade no trabalho. De acordo com dados do IBGE relativos a julho, enquanto a média nacional de desemprego era de 11,1% (estes dados consideram como empregados aqueles que estão em subempregos e trabalho informal), entre os jovens de 18 e 24 anos a média de desempregados é o dobro, 22%. Como pagar uma dívida adquirida em seu percurso formativo, se o jovem sequer consegue ser empregado? Não por acaso é esta faixa, dentre a população no Brasil, em que mais se rejeita o governo Bolsonaro: 60% dos jovens afirmam que não votariam no presidente, taxa que chega a 67% nas capitais.
Existem exemplos, mundo afora, de que o financiamento estudantil cria uma bola de neve de dívida. Na maior economia mundial, os Estados Unidos, este é um problema que desafia o governo americano. Neste ano, o país tem a receber US$ 1,7 trilhão especificamente dos estudantes, valor igual a 7,5% do PIB do país. A dívida por estudante nos EUA, que em 2019 era de cerca de US$ 10 mil saltou, neste ano, para US$ 30 mil.
No Brasil, ainda possuímos as universidades públicas, gratuitas e de qualidade social e científica que permitem que os jovens façam seu curso superior de maneira gratuita e que aqueles em situação de vulnerabilidade social ainda tenham bolsa para manutenção dos estudos na faculdade. E é isto que seria uma solução para esta bola de neve da dívida estudantil. Ampliar o acesso às universidades públicas e garantir o investimento preconizado pela constituição federal nas instituições públicas de ensino, é, pensando apenas a questão econômica, um investimento! Pesquisa realizada em 2021 pela Universidade Federal de Itajubá/MG (UNIFEI), evidenciou que para cada R$1,00 investido em um discente, R$3,28 retornam para toda sociedade.
O que o governo Bolsonaro vem fazendo é exatamente o oposto. O desinvestimento criminoso em educação, que ameaça que 17 universidades federais brasileiras não tenham dinheiro para fechar o ano, tem diminuído o número de alunos das universidades federais em função dos cortes relativos às bolsas para permanência estudantil. Se conseguir um emprego formal no Brasil hoje já é uma tarefa hercúlea, sem o ensino superior isso se torna ainda mais difícil, contribuindo para a precarização do trabalho entre os jovens brasileiros e a destruição dos sonhos juvenis para uma sociedade com mais equidade. O fim do endividamento estudantil no Brasil, necessariamente implica políticas públicas que valorizam o acesso à Universidade Pública com aumento do investimento em educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade social e científica em nosso país.