Notícias

PL preocupa reitores e mostra pior face do Future-se

“O projeto é mais ardiloso e destruidor do que a apresentação do ministro ontem em Brasília”, resumiu um dos reitores

# “O Future-se não resolve o futuro das universidades. E muito menos o presente”.

# “Ele não é projeto para a educação. É um plano de negócios para aumentar o caixa do governo e esfacelar o patrimônio público”.

# “O governo não contou seu verdadeiro objetivo. Ele não deseja libertar a universidade. Ele quer ser livrar do custeio das universidades”.

Os desabafos acima foram feitos por três reitores de universidades federais na manhã de quinta-feira, 18, após lerem um whatsapp do Ministério da Educação com o texto do projeto de lei, proposto pelo MEC para a implantação do Futere-se. “O projeto é mais ardiloso e destruidor do que a apresentação do ministro ontem em Brasília”, resumiu um dos reitores.

“Estamos em um regime de corte de verba e, com esse pacote de novidades, tudo aponta para a privatização da universidade pública, essa é a verdade”, lamentou Henry Campos, reitor da Universidade Federal do Ceará. “Esse plano não acena de maneira nenhuma para o descontingenciamento ou suspensão do corte de verbas do orçamento da educação. O projeto acompanha a desqualificação da universidade pública e não pensa no futuro”.

Na UFRJ, o clima de contrariedade já é enorme. “Vivemos um momento dramático. De um lado, o teto de gastos inviabiliza o avanço da educação pública no país e, do outro, o Future-se coloca em risco o nosso patrimônio físico, científico, artístico e cultural”, analisou a reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho. “Vamos apresentar uma contraproposta. Não temos pressa. Vamos debater com a  comunidade acadêmica”.

O governo tem pressa. Em sua apresentação midiática, na manhã de quarta-feira, 17, Abraham Weintraub, o ministro que já comparou a educação com chocolates e já posou de Gene Kelly, surgiu na escuridão do palco com clima high tech, e discurso em tom motivacional. “O futuro chegou. Queremos libertar as universidades, queremos libertar os nossos jovens”, profetizou.

O que o ministro chama de liberdade, parte da comunidade acadêmica escuta como privatização e perda de autonomia.

De acordo com o projeto de lei enviado aos reitores – que não foram consultados sobre o Future-se – o programa será operacionalizado por contratos de gestão com uma organização social. Cada OS deve gerir um conjunto de universidades. “Há pontos obscuros sobre qual será o papel das Organizações Sociais. O que significa transferir a responsabilidade de gestão para uma OS? No que isso impacta a autonomia da universidade?”, questionou o vice-presidente da Andifes, João Carlos Salles, reitor da Federal da Bahia (UFBA).

O discurso do governo é liberar os reitores da tarefa de gestão de despesas que consomem a maior parte do orçamento discricionário das universidades, como a terceirização. Também diz que irão transformar os reitores em chanceleres do conhecimento e que o MEC será uma espécie de APEX da Educação.

“Queremos isentar os reitores dessas tarefas para que os professores pensem em pesquisa, para que pensem em dar aula”, afirmou Arnaldo Lima, o secretário de Educação Superior do MEC, escalado para detalhar o Future-se para os reitores. “Os professores podem ficar ricos”, festejou.

De acordo com os documentos do MEC, o Future-se será acompanhado e supervisionado por um Comitê Gestor, que terá composição e funcionamento “definidos em regulamento”. Será um Comitê com fortes poderes, inclusive na admistração da universidade e na escolha dos reitores. Entre suas atribuições, está “definir o critério para aceitação das certificações, para fins de participação no processo eleitoral dos reitores”.  “Ou seja, não reitoraremos mais nem seremos eleitos. A OS será o CEO da universidade”,  ironizou um reitor.

MUDANÇA NA LEI
A implantação do Future-se foi celebrada pela equipe do MEC como uma forma de driblar a lei de licitações e a legislação de teto de gastos. Antes de driblar as leis, o Futere-se terá que mudá-las. Para viabilizar o projeto será necesária, no mínimo, a modificação de 17 leis existentes, segundo o próprio projeto de lei, preparado pelo MEC e enviado aos reitores.

São normas sobre organizações sociais, passando por incentivos à pesquisa, imposto de renda, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei das carreiras do magistério, até a legislação que determina a gratuidade dos hospitais universitários. A modificação neste ponto é profunda.  “Os hospitais universitários poderão aceitar convênios de planos privados de assistência à saúde”. Curiosamente, esse trecho do PL não consta do texto da Consulta Pública, criada pelo MEC como ferramenta de democratização do projeto. “Estamos abertos ao diálogo. A Consulta é a prova disso”, disse Arnaldo Lima. Ele não informou, no entanto, que a plataforma da Consulta no site do MEC não permite a rejeição ao projeto (leia mais na página 6).

FUNDO SOBERANO
Todas as ações do Future-se serão financiadas por um grande fundo de investimento, chamado de Fundo Soberano do Conhecimento. Segundo o governo, o aporte inicial seria da ordem de R$ 100 bilhões. Metade seria conseguida com a alienação ou concessão de patrimônio da União espalhado pelo país e hoje sem uso – terrenos vazios em universidades incluídos. Ou seja, o dinheiro não existe. E, se tudo correr bem, ainda deve demorar a render. O próprio MEC prevê alívio financeiro para as universidades somente daqui a 10 anos.
“Como vai ser operado este fundo? Como vai se relacionar com as universidades? É preciso muita cautela”, avalia o pró-reitor de Planejamento e Finanças da UFRJ, professor Eduardo Raupp. “A UFRJ já tem parque tecnológico, já tem incubadora, já tem relação com o setor privado, com empresas públicas. Isso não chega a ser uma novidade, mas os normativos legais que estão propondo para fugir do teto de gastos, da Lei de Licitações, não estão muito claros”, completou.
Raupp calcula ainda que, para dar conta das grandes despesas de custeio, a UFRJ teria que captar oito vezes mais receitas próprias do que hoje em dia. “É muito difícil levar para nossa comunidade uma discussão do futuro, se estamos vivendo uma total incerteza quanto ao presente. Efetivamente, as universidades estão parando e não temos um remédio para isso”, afirma o pró-reitor.
O modelo do fundo do MEC é semelhante ao projeto entre a UFRJ e o BNDES. Citado pelo ministério como inspiração, ele foi contratado em julho de 2018 e um ano depois ainda está em estudo. Nem chegou ao Consuni.
“Ninguém seria contra captar novos recursos para custeio das universidades. O problema é como isso se constitui numa legislação e quais os requisitos para a adesão. Vamos ter que analisar como será essa conformação jurídica”, disse o presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte. Os reitores devem fechar um posicionamento sobre o programa em 25 de julho, quando haverá uma reunião de todos no pleno da entidade.

A consulta pública para opinar sobre o programa, disponível no site do MEC, estará disponível até 15 de agosto. Weintraub já manifestou em diversas entrevistas que as universidades permanecem como estão ou adotam 100% do Future-se: “A adesão das universidades será voluntária, permitindo separar o joio do trigo… as que quiserem ficar no atual modelo, poderão ficar…”, disse, em sua conta no Twitter. As instituições aderentes terão prazo de 180 dias a contar da adesão ao programa, prorrogável por igual período, para adequarem seus estatutos e normativos internos às diretrizes do programa.

AdUFRJ
Para o professor Felipe Rosa, diretor da Adufrj, a ideia de promover fontes alternativas de arrecadação não é necessariamente ruim, desde que não comprometa o financiamento público. “Mas a apresentação me deixou com muitas pulgas atrás da orelha. Foi focada em empreendedorismo, o que não é ruim, é claro que a universidade deve fomentar, mas está longe de ser só isso”, disse. “O papel da universidade pública é gerar conhecimento e recursos humanos em todas as áreas. O centro da atividade universitária essencialmente não é comercial”. Felipe afirma que falta muita informação, principalmente sobre como toda a universidade será ajudada.”E não apenas os setores que têm retorno comercial imediato”.

 

Fonte: Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo / ADUFRJ