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Future-se: entenda os principais pontos do programa do MEC

Programa defende que universidades federais captem suas próprias receitas se aliando a modelos de negócio privados

O Ministério da Educação lançou na quarta-feira 17 o programa Future-se, aposta governamental para reestruturar o financiamento de institutos e universidades federais. O programa tem como objetivo central estimular que as instituições operem para captar suas receitas próprias, condição que seria possível ao estabelecerem contratos com organizações sociais e atuarem dentro de alguns modelos de negócios privados.

De caráter voluntário quanto à adesão, a iniciativa ainda vai passar por um período de consulta pública, que se estende até o dia 7 de agosto. O Future-se se organiza a partir de três eixos principais. Entenda cada um deles.

Eixo 1: Gestão, governança e empreendedorismo

O eixo é a principal ancoragem para o capital privado nas instituições. O programa defende que institutos e universidades se aliem a diversos modelos de fundos de investimentos para ampliar suas receitas e criar ambientes favoráveis aos negócios.

– Fundos de investimentos imobiliários
As universidades podem celebrar contratos de gestão compartilhada acerca do seu próprio patrimônio imobiliário e da União. Seria permitido às reitorias estabelecer parcerias público-privadas, comodato ou cessão de prédios e lotes.

– Fundos patrimoniais (endowment)
Permitidas doações de empresas ou ex-alunos para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo.

– Ceder naming rights
Ceder nomes de campi e edifícios para alguma marca e, em contrapartida, obter patrocínio para construção e revitalização de suas estruturas. É o que acontece nos estádios de futebol que levam nomes de bancos ou seguradoras.

– Ações de cultura
A ideia é permitir que a modernização de museu e bibliotecas e ações de extensão possam captar verbas via Lei Rouanet. O governo afirma que, no modelo, a Sesu (Secretaria de Educação Superior) e o Ministério da Economia viram indutores de boas iniciativas.

De acordo com o governo, o modelo traria mais flexibilidade e sustentabilidade orçamentária. O MEC anunciou o aporte de 50 bilhões em patrimônio, vindos do Ministério da Economia, para ser integrado ao programa e permitir a criação de um Fundo Future-se, gerando previsibilidade de receita diante ao organograma das instituições.

“Queremos ser a PEX da Educação, que a educação brasileira vire um produto de exportação”, declarou o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, durante a divulgação da proposta. “Não é dinheiro que está faltando na educação, precisamos melhorar a gestão”, complementou Júnior. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, também defendeu a iniciativa como uma forma de colocar o País no ranking dos países que promovem uma educação de ponta.

 

Eixo 2: Pesquisa, inovação e internacionalização

Nos eixos de pesquisa e inovação, o governo fala em criar um portfólio das boas práticas existentes nos institutos e universidades federais e buscar recursos internacionais, que possam ser utilizados na modernização de parques tecnológicos ou na geração de patentes. O MEC defende ainda a parceria com instituições internacionais de ensino para a oferta de cursos à distância, gratuitos ou pagos, que gerem créditos aos estudantes brasileiros.

Eixo 3: Pela cultura do esforço

Outro ponto defendido pelo programa é o de premiar as melhores iniciativas das instituições e dos professores, que serão incentivados a buscar rentabilidade a suas produções acadêmicas, em uma perspectiva individual.

“Estamos tornando o cargo de professor universitário o melhor cargo do Brasil, porque além dele ter o seu salário garantido [com o aporte dos fundos de investimentos] tudo o que ele conseguir captar será dele”, colocou o secretário exemplificando que um professor de Economia que publicar sua produção em uma revista como a Econométrica, será remunerado.

O governo também declarou a possibilidade dos docentes estabelecerem sociedade com propósitos específicos, explorarem patentes ou ainda serem fundadores ou sócios de startups dentro das universidades, “desde que isso volte para a educação”, declarou Arnaldo Barbosa de Lima Júnior.

O que dizem os especialistas?

O professor da UFABC Salomão Ximenes entende que o modelo de gestão do programa, pautado nas organizações sociais, não é novo e retoma a lei de regulamentação das OSs aprovada em 1998. “Curiosamente, o governo Temer implementou em 2017, via decreto, um programa de desestatização, que tem como objetivo liquidar as estatais federais controladas pela União”, diz. O especialista entende que a ideia é implementar uma vinculação já existente como, por exemplo na área da saúde, em que entidades criadas por iniciativas privadas, com a participação de agentes públicos, estabelecem contratos de gestão para assumir determinado aspectos das universidades.

O risco para a educação, para ele, é a lógica que vem com o modelo. “Essas organizações atuam na lógica da eficiência econômica, do lucro, da entrega de produtos. Isso vai na contramão de uma educação superior de qualidade que compreende pesquisa e extensão. Veja, não estou dizendo que a eficiência não é importante, mas não só ela, porque a educação compreende valores não monetarizados, como os culturais, sociais. O risco é formar pelo menor custo, o que esvazia as universidades como espaços de gestão pública e os lançam na lógica da gestão empresarial”, explica.

Na mesma linha vai a análise do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que vê com “gravidade” a dinâmica de estender a responsabilidade da geração de receitas aos institutos e universidades.

“As universidades públicas federais brasileiras precisam cumprir a missão de expansão da educação superior com qualidade. Todas as estratégias de financeirização propostas pelo programa, e que conversam com diversos modelos que ocorreram no mundo, não são capazes de gerar expansão do ensino superior. Elas até podem ser utilizadas em universidades pequenas, como a de Harvard [instituição americana privada], que não tem essa premissa colocada”, explica. O MIT, por exemplo, tinha cerca de 11,4 mil alunos em 2016. A Universidade de Brasília, que não é a maior das universidades federais, tinha quase 48 mil alunos em 2018.

Outro ponto considerado “perverso” pelo educador é “o de utilizar o patrimônio acumulado pelas universidades públicas como moeda de troca para estratégias de comercialização e financeirização. Isso é um crime de lesa pátria, ataca a Ciência e precisamos ter clareza disso. As universidades hoje funcionam como um anteparo à política de Jair Bolsonaro, com a sua capacidade crítica. Justamente por isso a ideia de enfraquecê-las a partir de um modelo de gestão que incorpora elementos privatistas e provoca a demolição da autonomia universitária e da capacidade de democratizar o Ensino Superior com qualidade”, atesta.

“Atacar a universidade pública brasileira é atacar a soberania do País e precisamos atuar de maneira muito inteligente e conjunta para barrar esse projeto no Congresso. Não é a educação que vai fazer com que a economia tenha dinamismo, tampouco a economia vai fazer com que a educação se realize. O que precisamos no Brasil é de um projeto de desenvolvimento que articule todas as áreas: educação, saúde, economia, assistência social, acesso à moradia. Um projeto que garanta um País com qualidade de vida, mas esse não é o objetivo do governo Bolsonaro”, finaliza.

 

Fonte: Carta Capital.